Na vida, no amor e nas viagens – dizem os bruxos, os sábios e as mães avisadas -, há sempre o “the one and only”, à americana de Tennesse Williams, ou o lugar em que se pega “o bonde chamado desire”, à brasileira de Nelsinho Motta. É coisa rara isso do amor-lugar-pessoa-perfeitos, tão raro como um homem se evolar pelos ares ou um analfabeto citar Cícero em correto latim (Hélia Correia dixit). Os meus amores-lugares-pessoas-perfeitos foram passados num verão súbito na ilha de Fernando de Noronha. Do comecinho aos finalmentes, teve tudo para dar certo. Teve a Pousada Solar dos Ventos e a cachorra Salsicha (ou o relógio de cuco), as saladas de mamão e goiaba, a escolta de pererecas no caminho para o nosso quarto. Teve a Baía do Sueste a duas ribanceiras e meia do nosso jardim de flores-de-lis, a flor de Clarice, a flor no peito. Teve o ninho de aves marinhas na fronteira da Praia da Atalaia, igual à gávea do Professor Gavião das tiras do Tio Patinhas, onde eu e ela montámos vigília para ver passar os trens de tartarugas e golfinhos. Teve a minha mulher nadando nua todo o santo dia e toda a ímpia noite (e toda a tarde pagã), escoltada por rochas pré-históricas em que eu julguei ter visto coxas abertas, seios voluptuosos e falos felizes. E tive eu, um sem-vergonha de história desalmada seduzido pelo amor, a ideia de amor, a celebração do amor em forma de mulher – a mais perfeita de todas. Noronha foi degustação, foi trova de Dorival Caymmi, foi poesia de Drummond e foi tudo de bom. Noronha foi siri, porres de cerveja caseira, foi o Zé Maria, dono da pousada mais emblemática, onde a maravilha é o próprio Zé e sua pedra de 20 metros a que chama, com sorriso de lagarto, de “Tesão”.

Antes, porém, hesitei no destino e quase troquei Noronha por uma navegação de cabotagem em Ilhéus. Renato Martins, um famoso maconheiro de Brasília, me falara de uma maldição, a tragédia que ronda todo o lugar perseguido pela fatalidade da beleza desmedida, sobretudo quando lá Deus deu o seu melhor no negócio de fazer praia bonita. Ora, Noronha era, segundo meu amigo dissidente, a colônia eleita pelos betinhos (os mauricinhos) brasileiros e o único lugar do Brasil, além do sertão e do Ceará, em que as mulheres cultivam bigode (e velocino púbico) em tributo a Quincas Berro d’Água. E havia ainda “neuronha”, a doença do presídio demorado no paraíso. O oráculo Ricardo Freire garantia-me o contrário: “Pode acreditar em tudo o que ouviu e viu das belezas de Fernando de Noronha. Seus amigos não exageraram nas descrições, e as fotos que saem publicadas nas revistas não são produto da escolha de ângulos favoráveis. De frente para o mar, todos os ângulos são favoráveis”.