Pouco passa das três e meia da manhã quando aterro em Tbilisi, capital da Geórgia, uma das piores horas para se chegar seja onde for. É demasiado tarde para se procurar um lugar para dormir mas muito cedo para me fazer ao caminho. Há que procurar um sítio para repousar. Sob as escadas rolantes, um relvado sintético, já estreado por outros viajantes, serviu-me de colchão.

Aos primeiros raios de luz, apanho um autocarro para o centro. Saio na avenida Rustaveli, a principal artéria da cidade. O espaço que, ao avaliar pela beleza e sumptuosidade da sua arquitectura, fora outrora a passerelle da sua alta sociedade, está novamente a puxar para si esse papel. Entre edifícios que sofrem uma operação de cara lavada, ou de reconstrução de raiz, já aparecem as lojas de alta-costura a bordejar com hotéis de renome. Este ambicioso programa de restauro levado a cabo pelo governo está para durar, a contar pelos espaços a ser alvo de arranjo como a Ópera, alguns museus, galerias e teatros. Quem aqui passa sente-se num estaleiro de obras. São os sinais de progresso de um país que se quer mostrar desenvolvido de acordo com os parâmetros ocidentais. Mais à frente, sobressai o parlamento, construção colossal que aguarda novas funções, agora que o hemiciclo foi transferido para Kutaisi, outra cidade georgiana. Ao cimo da sua escadaria, reparo que a bandeira da nação não está só. Ao seu lado, ondula a da União Europeia.

Após a “revolução rosa” de 2003, que colocou no poder Mikheil Saakashvili, a Geórgia procura desagarrar-se da influência russa e aproximar-se do Ocidente, seja aos Estados Unidos ou à Europa, como se de um amigo mais forte se tratasse para a ajudar a fazer frente ao temível vizinho. Por todo o país, os edifícios governamentais ostentam, lado a lado, as duas bandeiras, num indiscreto jogo de sedução ao piscar o olho às estrelas da de cor azul. Esta também já não é a Geórgia da década de 90, o país miserável onde as redes mafiosas imperavam na ausência de um Estado de Direito, minado pela corrupção. Basta olhar para quem passa nesta avenida, gente com orgulho da sua terra, com um nível e estilo de vida não distante do nosso, ávidos da cultura ocidental. O inglês começa a sentir-se cada vez mais, em detrimento do russo.

Vista da cidade de Tbilisi, na Geórgia, com rio Kura e estruturas modernistas.
Rio Kura e estruturas modernas em Tbilisi.
Chaminés de aldeia em Mestia, na Geórgia, com montanhas do Cáucaso ao fundo e envolvente com vegetação muito verde.
Mestia, o principal centro regional de Zemo Svaneti.

Actualmente, muitos se questionam se a Geórgia se situa na Europa ou na Ásia. Não há uma resposta consensual, pois quem olha para a sua localização no planisfério fica intrigado com este enigma geográfico. Cartografias à parte, este país é uma jangada de pedra que levantou amarras de um ancoradouro soviético e navega em busca de um porto de abrigo concedido por Bruxelas. Ao percorrer este território de lés-a-lés não me senti longe de casa. Viajava algures pelo Cáucaso, mas dentro de um espaço europeu mais vasto do que pensava.