O caiaque desliza sobre as águas planas, como se desfilasse suavemente numa longa passadeira aveludada, com todo o deslumbre ao seu redor.

São apenas oito horas da manhã. Paira ainda no ar uma pequena neblina matinal.

Sinto no rosto a brisa fresca do dia acabado de acordar, que se espreguiça aos primeiros raios solarengos que se alongam até mim.

Estou no meio do lago Bled, a dar as primeiras remadas. De tão plano e calmo que é, e pela forma como nos devolve as imagens que estão acima da sua linha de água, parece que estou sobre um grandioso espelho.

O silêncio é total. Como é bom ouvir o som do silêncio! Uma autêntica sinfonia para os meus ouvidos de viajante cosmopolita.

Um grupo de cisnes olha para mim com espanto, como que a dizer: “Que faz ele aqui a estas horas?”

A resposta é simples! Desfruto do paraíso onde eles têm o prazer de viver todos os dias das suas vidas. Se eu fosse cisne, escolheria este lugar idílico para viver, mas até para se ser cisne é preciso ter sorte.

À medida que a neblina vai levantando, todo o cenário vai ficando exposto, como se as cortinas de um teatro subissem vagarosamente, não desvendando tudo de uma só vez para não ficarmos boquiabertos. É como se todas aquelas imagens não pudessem entrar em simultâneo pelo cérebro dentro, correndo o risco de os sentidos bloquearem perante tamanha “overdose” de beleza.

O sol acordou, já não se espreguiça. Sente-se no ar uma temperatura mais agradável, levando consigo a neblina.

O anfiteatro que se apresenta é majestoso, rodeado pelos Alpes Julianos, criando um cenário de magia e encantamento.

Um bando de patos bravos passa por mim num voo rasante, parecendo querer competir com o ritmo da minha remada. Prefiro não me envolver em competições, já que me sinto demasiado deslumbrado para reagir a provocações.

A serenidade do lago Bled é espantosa, como se um ruído mudo me aturdisse os sentidos, e fosse atraído pelo som de uma harpa até ao paraíso.

Ao longo do lago, vislumbro mansões imponentes de tempos de outrora, que se estendem pelo verde exuberante dos vales e montanhas.

Umas remadas mais à frente, deparo-me com uma pequena ilhota pousada no meio do lago, a dar um último toque de perfeição, a todo aquele cenário já perfeito por si só.

A ilhota é demasiado pequena mas transmite a personalidade própria ao lugar, expressada através do seu castelo milenar agarrado ao rochedo.

Existe uma igreja igualmente bela na ilha que remonta ao século IX. A vila Bled chegou a ser a residência de Verão do Marechal Tito, o idolatrado líder da Jugoslávia socialista.

Olho para o espelho de água. As duas imagens são perfeitas, tanto a real como a invertida, deixando-me na dúvida qual é a original. Ou não serão as duas!?

O bando de patos cruza-se novamente comigo, agora em sentido contrário, igualmente em voo rasante, como se quisessem dizer-me: “Já fomos e voltámos, e tu ainda estás aí!?”.

Continuo sem reagir às provocações, pois estou em paz com os patos, em paz comigo próprio, em paz com o mundo.

Inserido num ecossistema perfeito, em que tudo faz parte de um todo, e todos são essenciais, para o bem-estar geral. Os Alpes lá em cima, as montanhas, as colinas, o lago Bled, a ilha, os cisnes, os patos, e eu. Sem que houvesse uma hierarquia e todos assumíssemos a mesma importância, como se a perfeição fosse absoluta, e todos estes elementos fizessem parte dela.

A perfeição existe, e está aqui.

Algo neste lago o torna enigmático por si só.

Assume o protagonismo com lealdade e coragem, sem que precise de ser evidenciado por qualquer história relacionada com batalhas ali decorridas, ou uma qualquer lenda relacionada com monstros escondidos.

Aliás, a perfeição aqui é tão evidente que qualquer monstro se sentiria deslocado.

Debruço-me sobre o caiaque e lavo a cara. A água do lago agita-se suavemente criando vários círculos em espiral. Aguardo que fique plana novamente e observo os contornos do meu rosto com uma nitidez incrível, como se estivesse a olhar para um espelho perfeito.

“Espelho, espelho meu, há algum lago mais bonito do que eu?”.