Os meus olhos fitavam os dele, enquanto as suas mãos negras seguravam uma máscara de pau-preto na ponta dos dedos esguios.

Como se fosse uma extensão do seu braço, a peça de artesanato confundia-se com a tonalidade da sua pele, enquanto os seus olhos serenos me fixavam, como se tentasse enfeitiçar-me.

Existe uma sedutora intimidade entre o vendedor e o objecto que pretende vender. São as suas obras-primas executadas com minúcia e muito amor, concedendo sentimento a um pequeno pedaço de madeira.

As peças estão expostas carinhosamente sobre a banca, de modo a que não se encubram umas às outras, pois todas elas têm uma importância extrema na colecção do artista. Nenhuma peça é mais bonita, ou mais relevante que qualquer outra. São apenas diferentes, apesar de serem todas iguais na ordem de importância, aos olhos do seu criador.

As mãos negras continuam a segurar a máscara com carinho, enquanto a observa com afecto e realça alguns pormenores, depois junta-a à família de peças que se expõem sobre a banca, protegendo-a com um ar paternal. Afinal a sua obra é a sua família, fora concebida como se gerasse um filho, pertencem-se um ao outro, criador e obra.

Tento não demonstrar demasiado interesse na máscara, apesar de me ter apaixonado por ela ao primeiro olhar. Debruço-me sobre a banca, e pego-a com as minhas mãos.

Macia, sedosa, elegante e delineada. Deixo escorregar os meus dedos por toda a sua superfície, preciso senti-la, acaricia-la.

O meu rosto tenta não dar sinais de fraqueza, não pestanejando demasiado, no entanto sinto vida nas minhas mãos, no pequeno pedaço de madeira que seguro, sobre a forma de uma máscara.

A sua expressão tem vida, o nariz afilado num rosto duro de guerreiro, que contrastam com uns lábios doces bem torneados.

Sinto a boca seca, como se a desejasse.

O vendedor entretanto gesticula sabiamente, com um movimento de mãos suave, como se tivesse todo o tempo do mundo. Já tinha referenciado todas as qualidades da peça, sem praticamente abrir a boca, apenas através do toque e da profundidade do seu olhar.

O valor mandado ao ar parece um simples acaso, é estrategicamente alto, como se a peça fosse tão preciosa para ele, que tivesse um valor incomensurável.

Tenta não mostrar-se forçado a vender, afinal ele é um artista, o interesse terá de ser manifestado pelo comprador, que deverá demonstrar a sua grande vontade em adquiri-la.

Inicia-se uma batalha psicológica, logo após o encantamento. Esse, senti assim que vi a máscara, queria acima de tudo que fosse minha.

De forma displicente, quase desinteressada, o vendedor continua relutante a acreditar no primeiro preço estabelecido por ele, continua a acreditar no real valor da sua obra. Como se não soubesse o valor real da peça, que continua a guardar secretamente no seu subconsciente, sem que nada o faça denunciar, nem um simples pestanejar mais apressado.

Disparo um valor para metade do inicialmente sugerido, na esperança de que as suas fraquezas venham ao de cima, e surja a inevitável tentação de aceitar o negócio como consumado, pela necessidade de realizar dinheiro.

Com o olhar distante no seu rosto impenetrável, o vendedor acena com a cabeça negativamente, com movimentos leves, enquanto a máscara muda novamente de mão, para ficar incomparavelmente melhor envolvida pelos seus longos dedos.

Senti a perda, como se me tivesse sido roubado algo que fosse muito meu.

Enquanto a peça era pousada novamente na banca, junto da sua família de esculturas, o vendedor olhava para o horizonte, distante do regateio, como se a minha proposta lhe tivesse ferido o ego.

Despeço-me, e continuo a deambular pelas bancas contíguas, olhando para tudo sem ver nada. O meu pensamento continuou na máscara, via-a como minha apesar de não ser.

Todas as bancas, todas as outras obras, todas as conversas me pareceram insignificantes, nem mesmo as barraquinhas de comida onde o frango assado esperava coberto de moscas o próximo cliente, me conseguiram atrair a atenção.

Vagueei até me perder novamente na mesma bancada, no mesmo vendedor, nas mesmas peças. A máscara deixara apenas o seu espaço vazio, e dela nem sinal.

O meu coração palpitou com a hipótese de alguém a ter adquirido, perguntei a medo se já tinha sido vendida. O rosto fechado do vendedor abriu-se por um bocadinho, e sussurrou baixinho.

“Estava à espera que voltasse, ainda não terminamos a negociação”.

Sorri inadvertidamente, com o peito a saltitar de felicidade pelo facto de não a ter perdido para sempre.

Subi a proposta, para um valor bem mais aproximado do valor inicial pedido pelo vendedor.

Este parece continuar a não querer desfazer-se da sua obra, nem dá indícios do valor que guarda secretamente para si como sendo o valor justo, abaixo do qual não venderá.

O mistério paira no ar, num jogo de forças em que cada um de nós continua a defender os seus interesses, sem tentar ceder muito ao adversário.