Na véspera de partir à Malásia chamaram-me todos os nomes, “paioso”, “sortudo”… como se aquilo que me esperava fosse o maior paraíso da terra. Tenho para mim que porem-nos uma coisa nos píncaros antes de lhe tirarmos o boneco é uma lotaria. Na hora de fazer o relato ou nos sai um “então isto é que é a grande coisa?!?” ou ficamos mudos de espanto e damos graças pela honra hedonista de ali estarmos, de bermudas e de borco. Eu fiquei mudo e dei graças à sorte. Não era a primeira vez que me davam guia de marcha para uma assoalhada do paraíso, mas esta parecia tirada do Antigo Testamento quando o profeta fala num lugar onde todos os homens serão felizes — mesmo os mais casmurros. Segundo o profeta (creio que Isaías) para prover a felicidade humana bastava que a terra fosse fértil, os homens honrados e não fazia a apologia das virgens nem das vacas sagradas. Não falava também de casas de madeira erguidas sobre o mar e seguras em palafitas que ao cair da noite se escondem na neblina, de um mato denso de floresta tropical que se adensa até à borda da água e cai sobre as ondas lânguidas como flores no cabelo, de um spa governado por mil mulheres, belas e perfumadas como miosótis (amores-perfeitos), que recebem o forasteiro e o devolvem à sua condição de corpo e espírito santo. Talvez o profeta escondesse a verdade por detrás das suas longas barbas para que assim que afastássemos as pontas crespas da barbicha nos deparássemos com esta visão magnífica.

Afinal o que era o Pangkor Laut, essa ilha-resort largada à deriva no mar de Andaman que deixava os malaios (e os chineses, coreanos, japoneses, europeus…) em ponto de rebuçado? Enquanto a chalupa navega a passo molesto e o vento me bate na cara como o hálito de um lança-chamas e o corpo se liquefaz na humidade imparável, vejo pronunciar-se na curva do estreito de Andaman um pedaço de terra com a forma de uma mulher polpuda e mamuda (paradigma de Rubens) deitada de bruços. Se nada mais houvesse, e a terra fosse inacessível, essa visão chegaria para me apaixonar sem remédio (e sem vontade de cura). Eis o momento da felicidade, inconsciência e vida de que fala o profeta e o lugar (a assoalhada no rés-do-chão) defronte do meu nariz.