No sul do Egipto, existe uma povoação cujas habitações incham sob a torreira do sol. É Assuão. A terra das belas falucas, que bailam de vela aberta como elegantes cisnes brancos no límpido azul do Nilo. Navegar nesse glorioso rio é empreendimento acessível a qualquer viajante disposto a passar uns quantos dias de aventura sobre as suas águas. Basta descer as escadas do embarcadouro que fica mesmo em frente ao escritório da companhia Thomas Cook e combinar o preço com um dos capitães que se preparam para mais um dia de navegação. O mais certo é darem de caras com o capitão Jamaica, que parece ser o único a controlar este tipo de negócio, tendo por sua conta mais de 10 barcos prontos a zarpar.

Quando um pequeno grupo está constituído, os marinheiros içam a vela e parte-se ao sabor da corrente, embalados pela espantosa paisagem que desfila. Sucedem-se zonas completamente desertas, com altas dunas de areia dourada acompanhando o curso do rio. Dão mais tarde lugar a um conjunto de palmeiras grandiosas que formam uma massa compacta de verdura parecida com uma floresta tropical. Nas zonas pantanosas, íbis brancos levantam voo assim que a faluca se aproxima.

Faluca parada na margem do rio Nilo
Núbios e faluca na margem do rio Nilo.
© Agostinho Mendes

A barca segue depois junto à margem. A leve brisa que se faz sentir torna a viagem muito agradável. Por vezes, a barcaça quase se imobiliza para, logo a seguir, acelerar misteriosamente fendendo as águas serenas do Nilo, como que empurrada por um sopro de gigante.

Deitados no pequeno espaço do convés, os passageiros contemplam um cenário natural digno de um filme bíblico. De vez em quando, um pescador passa por perto e, de mão alçada, cumprimenta-os. Em terra firme, alguns burros atados a estacas de madeira esperam que o dono os venha buscar. A sensação de tranquilidade, de paz mística, é total, apenas perturbada por um ou outro golpe de vento que provoca uma perigosa inclinação. Atento, o experiente marinheiro larga corda para distender a pressão sobre a vela, antes que a água inunde tudo. Mas quando o vento desaparece de vez, o homem posiciona a embarcação de modo a oferecer alguma resistência à água, sendo assim empurrada pela corrente. O ritmo torna-se muito vagaroso e tem-se todo o tempo do mundo para contemplar a vegetação sobrevoada pela passarada matinal, ou então de saudar as crianças que enviam os seus alegres “hellos!”. Nada mexe, tudo fica praticamente quieto, apenas se sente um ondulante deslizar, como que um doce embalar maternal. A velocidade é tão lenta que, por vezes, o piloto cai numa sonolência profunda, deixando inadvertidamente a embarcação aproximar-se demasiado da densa vegetação de juncos que crescem nas margens.

As populações vão surgindo ao longo do percurso. Os pescadores batem com grandes varas assustando os peixes que fogem para as redes onde ficam aprisionados, algumas vacas pastam ao longe, das aldeias próximas ouvem-se vozes distantes, momentos de uma perfeita plenitude. Outras falucas passam em sentido inverso. Com as suas elegantes velas triangulares, parecem belas cegonhas brancas bailando no leito do rio. Grandes navios de cruzeiro despontam inesperadamente, com os motores a roncar, asfixiando o ar com uma enorme fumarada negra. Apresentam-se como autênticos hotéis flutuantes. Não convém estar por perto quando esses monstros se aproximam. O melhor é encostar delicadamente à margem e esperar que desapareçam. Mesmo assim provocam uma feroz ondulação que quase nos faz virar.

marinheiro no convés de uma faluca
Marinheiro no convés de uma faluca.
© Agostinho Mendes

Passado o perigo, o rio volta a escorrer suavemente a caminho do mar. Os raios solares incidem na brilhante superfície aquática, provocando minúsculos reflexos de luz que cintilam como pequenas borboletas luminosas. Mas o que torna esta viagem ainda mais emotiva são os templos antigos que desafiam o Nilo, erguidos como faraós divinos, senhores da terra e do céu. São eles que mandam na paisagem. São eles que nos deslumbram, maravilham, sublimam e fazem recuar milhares de anos no tempo da humanidade. Quando chamamos por eles, respondem pelos nomes sonantes de Kom Ombo, Edfu, Karnak, Luxor. E quando chegamos a este último, fica-se com a sensação de termos feito uma peregrinação em que navegámos ao lado dos faraós, a caminho dos templos, da história e da razão da nossa existência. É assim o Nilo, um despertar para os sentidos.