“Vais para o Irão? És louco, eles são terroristas! Não vais conseguir sair de lá vivo!”. Apesar de ter sido esta a reação da maioria das pessoas quando anunciei os meus planos de viagem, remei contra as expectativas que foram criadas e parti sem rumo certo, mas com a convicção de que o país que iria encontrar não seria o inferno na terra. Aterro em Teerão pela madrugada. Às seis da manhã o calor já se começa a fazer sentir. Na ausência de ar condicionado, vale-me a aragem do amanhecer que entra pelo taxi que se desloca a alta velocidade para norte, tendo como linha de horizonte a enorme cordilheira dos montes Alborz, coroada com o majestoso pico Damavand, a 5610 metros de altitude.

O primeiro sabor que tomo da cidade, azedo, com muito fumo e ruído, depressa se dissipou a partir do momento em que tomo contato com a população. Começava aqui a construir a ideia que tenho deste povo único na sua forma de ser e, sobretudo, na dimensão humana que lhes está nos genes, tantas vezes patente na desmesurada, ou mesmo inexplicável bondade, generosidade e hospitalidade, elevadas a um nível que até aqui pouco tinha experienciado. E histórias recheadas deste doce tempero multiplicaram-se a um ritmo que ultrapassa a minha compreensão.

Eu era “o estrangeiro”. Nos dias seguintes dar-me-ia conta de que turistas era gente que não havia, daí ser interpelado tantas vezes na rua por pessoas que abordavam os mesmos assuntos. Inicialmente, sublinhavam a sua mágoa por o resto do mundo diabolizar a sua sociedade, como se os rotulassem de monstros, quando bastaria passar algumas horas para se certificarem do oposto. Surgiam depois as queixas do governo que tinham e das gritantes faltas de liberdade a que estavam sujeitos, bem como das obrigações impostas pela sua religião, que não estava separada do poder político, uma mistura que os asfixiava. O remate da conversa recaía para o aconselhamento de universidades europeias a que pudessem concorrer para aí estudar e, assim, viver. Cedo me apercebi de que este país, cheio de gente tão valiosa e com tanto para dar, estava a empurrá-los para uma emigração forçada rumo a outro mundo chamado Europa, a que só alguns passavam pelo crivo do tenebroso “visto Schengen”.

Urge fazer uma separação entre aquilo que é o governo de um país e a sua gente, como se de mel e fel se tratasse. É essa confusão, muitas vezes alimentada pelos media ocidentais, que nos faz pôr tudo no mesmo saco. Se terroristas houvesse neste país, eu, com uma barba já longa e camisa e colete a desfazerem-se, era mesmo o único candidato a esse estereótipo. Para desmistificar o Irão, basta aqui chegar para ver e crer.