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    Categories: Crónicas de Viagem

A “minha” Casa Blanca

É com o som tropical de Buena Vista Social Club que estas linhas vão saindo (click aqui para partilhar da envolvência sonora). E é com o mesmo som que a memória flui para os dias de Havana, aquele romântico tempo em que um imaginário pessoal encontrou a realidade nas ruas desta cidade. Era tudo tal e qual como esperava. O calor húmido, o rum servido a rodos, os cafés cosmopolitas frequentados por norte-americanos, os carros espadaúdos, as ruas de casas e gentes paradas em décadas passadas. Esta é ainda uma das raras viagens que nos transportam em dois vectores: no espaço mas também no tempo.

No centro do que foi o meu mundo durante a semana de Havana, uma senhora casa, que é uma “casa particular”, a designação para o turismo de habitação oficial de Cuba, a alternativa possível aos hotéis convencionais, a possibilidade que coloca o viajante mais próximo da realidade cubana, do povo deste país. Existem centenas largas, senão milhares destas casas. Quem lá vai tem duas hipóteses: ou estuda os seus perfis, dispostos em meia dúzia de websites criados para o efeito, ou simplesmente aparece por lá e procura de improviso a que lhe convier.

Fachada. A Casa Blanca é a da direita, varanda do lado direito do primeiro andar.
© Ricardo Ribeiro

No caso da capital de Cuba, depois de algumas hesitações feitas de avanços e recuos, encontrei. Foi aquela sensação: é isto! Assim que abri a página soube que estava ali a casa que queria minha até ao fim do meu tempo de Havana.

E quando cheguei, já noite dentro, suando ainda, literalmente, para me habituar ao clima, os meus olhos brilharam porque a confirmação foi imediata: era mesmo aquilo.

A Casa Blanca está no malécon, que é o termo que designa uma avenida marginal, e que em Havana calha a ser um ponto de encontro importante, um sítio onde se vai para ver e ser visto, para tocar música, para esticar as pernas. O malécon é, também ele, uma ponte entre a cidade real e o imaginário. Se se fechar os olhos e se se desejar com muita força, ao reabri-los podemos dar conosco rodeados daqueles carros faustosos dos anos 50, que circulam num asfalto ladeado por edíficios que ali estão desde há meio século. É mais uma vez o tempo a pregar-nos uma partida.

Das varandas da sua sala de estar podemos sentir o vapor de água que por ali anda, filho da colisão das vagas com o paredão. Dizem que em dias de tempestade as colunas que se levantam tudo enchem de água, chegam a agredir as fachadas destes prédios, seis faixas de rodagem distantes. Mas naquela noite o rei Neptuno estava calmo. E foi à conversa com o velho Jesus – que faz anos no mesmo dia que eu e, coisa rara em Cuba, é adepto de futebol – que o sono chegou. Subi ao quarto e deixei-me embalar. Cedo terão chegado os sonhos, que naquele dia o eram dentro de um outro sonho, maior.

Por entre as frestas dos taipais vê-se o saxofinista que para o mar ensaia a sua melodia.
© Ricardo Ribeiro

Com a luz do sol a casa tinha ainda mais charme. Primeiro, ao raiar do dia, muito cedo, o horizonte enchia-se de tons alaranjados, quando a aurora vinha reforçar a iluminação da marginal, os primeiros carros rodando, o polícia de giro zelando pela tranquilidade daquelas paragens. Depois, já a meio do dia, o sol entrava pelas frestas dos taipais de madeira, e ocorreu-me que aquilo se repetia quase todos os dias nos últimos cem anos. Apesar de renovada a casa estava ali desde 1922. As colunas que se erguem na sala são originais. A mobília não o será, mas descobri que para bem da ilusão deveria ignorar o detalhe.

Porque o branco que domina a casa é importante. Totalmente. Nas paredes, nas cobertas das camas, nos móveis retro. É o charme reinventado, o decadente transformado em essencial. Nada daquilo seria o que é com um arranjo novinho em folha com selo IKEA. O que faz aqueles espelhos serem verdadeiramente belos é o cromado interior que vai escamando. O que o acesso ao quarto tem de especial é a madeira que range, o corrimão vulnerável que ameaça cair a qualquer momento.

Abrem-se as portadas, de par em par, em grande estilo, e ali está ele, o mar das Caraíbas, que com o rufar das ondas parece repetir até ao infinito… “bom-dia, bom-dia, bom-dia”. E foi. Um bom dia. Esse, e o outro, e o seguinte, e depois, regressado de uma volta pelo país, todos os outros que ainda passei em Havana.

O quarto dos sonhos dentro do sonho.
© Ricardo Ribeiro

Na hora da despedida algo apertou aqui dentro, no coração. Aqueles foram dias felizes. As muchachas desfizeram-se em beijos e abraços e saudade antecipada expressa em palavras. Ofereceram um último chá, tomado com vagar até à chegada do Joel, o taxista que me levaria ao aeroporto.

Falámos de tudo. Das nossas impressões de Cuba, do futuro. E dos dias que ali passámos, dos conselhos preciosos que nos deram, dos serões à conversa à luz quente daquela mesma sala, com o som do mar como música de fundo. E quando finalmente aquela porta se fechou atrás de mim, ficou algo para trás. Ainda olhei uma última vez, tentando reconhecer a perda, mas não consegui perceber o que foi.

A Casa Blanca na net: não, não ganho comissão, mas como um amigo que me tornei tenho que divulgar. Se considerar visitar Havana e quiser tentar ficar na Casa Blanca, poderá reservar contactando directamente o proprietário, Yosvani, ou usando um dos diversos portais de casas particulares em Cuba, como o CasaParticular.com, o CasaInCuba.com ou o CasaHavanaParticular.com. O website oficial da casa pode ser encontrado em www.casablancacuba.net. Por fim, a Casa Blanca está presente no TripAdvisor.

P.S. – Informação avulsa que sinto que preciso de transmitir, porque sendo um detalhe, é-o daqueles que ficam na memória: o único luxo a que me dei durante os dias de Cuba foi abrir o mini-frigorifico daquele quarto, e tirar de lá ou uma cerveja uma uma lata da Cola cubana. A frescura da bebida, a energia, o liquido tão necessário no corpo que passou um dia a mexer-se e a suar… que prazer.

A primeira luz do dia vista da varanda da Casa Blanca
© Ricardo Ribeiro