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Thirassia, a pequena Santorini

De Santorini já todos ouvimos falar. Aquela insula maravilha, padrão pela qual se medem todas as outras ilhas gregas. Há dezenas de anos que hordas de visitantes ali afluem, muitos desconhecendo que a designação em grego do local é bem diferente: Thira. Foi num mês de Maio que visitei este mostruário de branco e azuis. E é ali, apenas ali, que compreendemos que o infinito se confunde com o número de tonalidades daquela côr. Foram dias sossegados, abençoados com um inesperado bom tempo. Mas apesar de a época alta ainda vir distante os pontos mais populares da ilha encontravam-se já invadidos por turistas, especialmente asiáticos e norte-americanos, empunhando destemidamente as suas câmaras, estendendo-se aos cantinhos mais privados, com o seu tagarelar incessante e escasso sentido de oportunidade.

O que nenhum destes invasores indesejados – por mim, porque para os habitantes de Santorini são o ganha pão de cada dia – sequer imagina é que a poucos quilómetros dali, traduzidos por uma travessia rápida de dez minutos de barco, existe um paraíso que se revela apenas aqueles que o desejam ver. Meus senhores, apresento-vos Thirassia, irmã menor da espampanante Thira, e moça de muito recato.

Para chegar a Thirassia é preciso madrugar. O barco sai de Oia pouco depois do sol se levantar. E não espera, bem pelo contrário: o viajante mais incauto poderá ser surpreendido se chegar à hora certa ao ancoradouro, porque não é raro que os barqueiros se adiantem ao relógio e iniciem a travessia antes do tempo. É uma embarcação rápida, que se afasta do cais deixando para trás abundante espuma branca, e em menos de nada a travessia está feita. A troco de 1 Euro, pelo menos do bolso do passageiro, porque suspeito que o Estado financiará generosamente esta ligação.

Do outro lado, um pequeno autocarro aguarda as escassas almas acabadas de chegar. Somos os únicos estrangeiros. Basta fazer umas contas de cabeça: em Thirassia não há estabelecimentos hoteleiros e aquele é o único barco do dia. Ou seja, vamos passar as próximas horas a salvo de qualquer turista. Apenas nós e os gregos que habitam aquela ilhota.

Chegados ao ancoradouro de destino, um velho autocarro espera os eventuais passageiros. Será uma das poucas viaturas da ilha, e certamente a única da sua categoria. Leva-nos por ali acima, recolhendo gaiatos pelo caminho, os bancos gradualmente ocupados até que, ao entrar na primeira das duas aldeias da ilha, todos saem. Ficamos apenas nós e um homem, talvez o médico da comunidade, que, mais para a frente, nos indica que chegámos ao destino.

Manola – assim se chama a “capital” de Thirassia – não promete muito à primeira vista. A aldeia está virada a nascente, para o mar, no alto da falésia que é toda a face da ilha, e quando chegamos o autocarro deixa-nos do lado oposto. Assim, quando o visitante olha a olha pela primeira vez, tudo o que vê são umas quantas casas que lhe viram as costas. A primeira reacção foi: “-Oh não! Vamos ficar aqui presos sem nada para ver ou fazer até ao final da tarde!”.  Mas as coisas não foram bem assim. Rapidamente encontrámos o caminho para o eixo central de Manola, e, ali sim, o dia iniciou-se.

Era cedo, e a aldeia dormia ainda. Apenas os gatos nos seguiam com olhar felino, enquanto fotografávamos avidamente as casas dos seus humanos. Afinal, ali as coisas não eram muito diferentes. Casas brancas, com elementos decorativos sobretudo em azul, mas também noutras cores, pouco gregas, como o verde e o grená. O mar, todo em redor, e a aridez onde quer que existisse um pedaço de terra. Mas o que distingue Thirassia é a virgindade da sua natureza grega, a ausência de turistas e de todo o circo que os segue. Nada de lojas de recordações, de “tavernas”, de hóteis ou de apartamentos para alugar. Ausência total.

Algures damos com algo que um dia teria sido um complexo de apartamentos. Claramente um projecto falhado, votado ao abandono. Espreitando por uma das janelas vimos aquilo que teria sido a sala de refeições. É bizarro. Há mesas postas, toalhas ordenadamente dobradas e empilhadas. É como se tudo aquilo tivesse acabado de um segundo para o outro. Hoje em pleno funcionamento, amanhã, deixado encerrado para toda a eternidade.

Exploradas as ruas de Manola, um passeio pelo campo. Passa por nós um casal, desgastado por anos de convívio, separados umas dúzias de metros entre si. Devem ter ido à vindima. Há por ali muita uva. O passeio acaba numa das pontas da ilha, onde se encontra um velho convento ortodoxo, abandonado mas não em ruínas. A vista ali é de cortar a respiração, porque, sendo um dos extremos da ilha, é também dos pontos mais altos. O mar está lá em baixo, muito ao fundo. E Manola surge distante, já uns meros pontinhos brancos no topo daquela falésia sem fim.

Vão-se fazendo horas de iniciar a jornada de regresso, até porque há que apanhar o barco no porto de Manolas, e isso implica descer uma infinita sequência de escadas, até à zona onde nos meses de Verão os turistas são deixados para uma refeição num dos restaurantes que ali existem. E essa é outra das funções daquelas escadas… manter os visitantes confinados ao pequeno porto, sem coragem para lidarem com os milhares de degraus que se aliam aos quarenta e tal graus de Agosto.

Volto a atravessar Manolas, desta feita com as suas gentes já bem despertas, mirando-me, com alguma surpresa. Descubro que todo o caminho do topo até ao nível da água está a ser calcetado, e o pior é que os homens não querem que eu passe por cima do que andam a fazer. Passo o trecho mais complicado pelo lado de fora, agarrado ao corrimão, com um precípicio do meu lado direito e uma faixa com alguns centímetros onde colocar os pés, calmamente, um após outro, passo a passo. Quando posso regressar à segurança da escadaria o alívio é enorme.

Numa plataforma do porto, uma visão surreal: um velho Suzuki Samurai foi ali deixado, sem possibilidade de ir a lado algum, porque não há nenhuma ligação entre o porto e outras partes para além das escadarias. A tarde está calma.  Foi um dos dias marcantes de duas semanas pelas ilhas gregas. E, contudo, baseado numa receita tão simples.

Mosteiro abandonado
Thirassia distingue-se pela virgindade da sua natureza