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Berlim e as suas divisões, agora figurativas

Berlim é uma cidade incomum. Se, por um lado, apresenta-se como uma cidade recheada de história, tendo sido o epicentro de alguns dos mais importantes eventos históricos, por outro, é uma cidade palpitante, industrial e incansável.

Assim, como a cara e coroa da moeda, Berlim é dividido em duas, embora figurativamente. A primeira, é centrada na história. Berlim foi palco da 2ª Guerra Mundial e, como tal, existem vestígios por todo o lado. Existem marcas do Muro de Berlim que dividiu a cidade em duas após a guerra, onde a sua maior expressão encontra-se na mítica e imperdível Porta de Brandeburgo e na East Side Gallery, uma galeria ao ar livre que se estende, por centenas de metros, com pinturas de intervenção e crítica política no que fora, outrora, um pedaço do muro divisionário da cidade.

Por sua vez, existe o outro lado da história, o lado das vítimas, com ênfase na comunidade judaica. Deste modo, um dos mais famosos marcos é o Memorial do Holocausto. Este consiste em blocos de betão, estendidos ao longo de uma enorme área, com o objectivo de penetrar o consciente de cada visitante que ali se aviste, provocando intranquilidade dentro da razão, confundindo perante a ordem de disposição nas oscilações do solo. É, na sua principal função, fazer a mente humana reflectir do que fomos, somos e podemos ser.

No mesmo tópico encontra-se o Museu Judaico Berlim. Bem menos conhecido que os imponentes Museus que se encontram na ilha dentro de Berlim, o Museu Judaico é de enorme relevância história e psicológica. Tal como o Memorial, o Museu Judaico, na sua primeira fase, concentra-se nas sensações do visitante.

Apesar de contar a história dos Judeus de há dois milénios para cá, a verdadeira gema deste museu está na capacidade de nos encurralar dentro da história deste povo que tanto sofreu. Especial menção para o Memory Void, solo coberto com mais de 10 000 caras de ferro, nas quais podemos caminhar sobre, de forma a representar não só os judeus mortos durante o holocausto, como também a sensação do visitante perante as vítimas da cruel guerra. O Memory Void é um espaço amplo, em que cada passo cria uma agoniante sinfonia de caras de ferro a bater entre si.

Do outro lado da moeda, existe o lado industrial da cidade. Berlim foi uma cidade “atacada” pela guerra, fonte de vários tumultos históricos mas, no entanto, 25 anos após a queda do Muro, a capital alemã é uma cidade reinventada, epicentro económico, político, histórico e social não só da Alemanha, mas também da Europa.

Berlim é composto por uma incrível rede metropolitana que liga as diversas praças da cidade. E dentro destas, surgem duas impossíveis de não invocar: Alexanderplatz e Potsdamer Platz.

A primeira, Alexanderplatz, centra uma enorme parte da história urbana da cidade. É possível avistar (e admirar) a Torre da Tv, o marco mais alto da cidade, que atinge os 368 metros, assim como um famoso relógio que dita as horas dos mais variados locais espalhados pelo mundo.

A segunda, Potsdamer Platz, transforma-se no epítome do capitalismo europeu, sendo recheado de prédios, lojas e restaurantes requintados, tudo coberto com luzes brilhantes a adornar os nomes das marcas. Um bombardeamento publicitário, passo a expressão.

Por último, o equilíbrio entre estas duas divisões imaginárias espelha-se na Kurfurstendamm e no Bairro Judeu. A primeira, é uma linda avenida “berlinesca” que, apesar da beleza e história, é agora recheado por centros comerciais com diversas lojas, restaurantes e músicos de rua. Por outro lado, o Bairro Judeu, apesar de começar a abraçar o espírito turístico, ainda se revela como um dos sítios mais alternativos de Berlim, sem nunca fazer esquecer a história, sendo um perfeito exemplo disso as paredes em volta deste bairro estarem cravadas de balas, como uma espécie não só de memória mas também de nunca cair no esquecimento a história que ali se viveu.

Resta dizer que Berlim é incrível. Não é uma cidade para se perder, pois o tempo escasseia e há muita coisa para ver, sentir e absorver. É uma cidade reinventada, palco de alguns dos mais importantes acontecimentos históricos mundiais e, por essa razão, pede-se um olhar atento.

Fica muito mais para falar desta cidade, mas nisso reside uma certa beleza e um especial encanto que deve ser visto como uma promessa de sempre lá voltar.

East Side Gallery – As pinturas que cobrem o muro assumem conotações sociais e políticas.
Memory Void – O cintilar do metal de cada face penetra a consciência de qualquer visitante.

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  • Caro Ricardo Ribeiro, antes de mais, obrigado pelo comentário e, acima de tudo, pela opinião divergente. Contudo, não concordo. Berlim foi, para mim, fulgurante, tanto no momento de visitar como no momento de conhecer. Isto é, conheci imensas pessoas interessantes, algumas delas com familiares marcados pela trágica história que ali se viveu. Para mim, Berlim é o oposto de não ter história, é o peso de cada seu habitante a contar mas, acima de tudo, antever o futuro. Berlim reinventou-se e com ela levou as pessoas. Existe de tudo! Por fim, Urbex é bastante interessante. Contudo, não tive o prazer de explorar essa parte em Berlim. Quem sabe um dia, pois faço contas de lá voltar. Abraço

  • Berlim nunca me fascinou. Pode ter um ambiente cultural efervescente, mas quando viajo posso bem passar sem um Bairro Alto multiplicado por mil. Quero conhecer pessoas com estórias para contar, sentor um passado que conta o presente e, quiçá, o futuro. E Berlim não tem passado. Foi apagado, pela ocupação e por um sentimento de culpa colectiva doentio. O que me interessa em Berlim é a cena de Urbex, essa sim, a colmatar, para os poucos que a percebem, o que falta à cidade no seu todo. Em Junho deverei passar por lá outra vez.