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    Categories: Rotas Migratórias

O maior deserto de sal do mundo: Uyuni em 4×4

Deixámos mais um país. Depois do Chile vem a Bolívia. E com esta mudança chegam os tão esperados dias em Uyuni.

Saímos de San Pedro de Atacama no dia 13 de Dezembro e connosco mais 9 viajantes. Embora quiséssemos fazer estes três dias em autonomia, tal não era muito recomendado, uma vez que a probabilidade em nos perdermos e morrermos congelados era elevada. Digo isto porque só o Salar de Uyuni, um enorme deserto de sal, é maior que Portugal. Fomos então em 2 jipes. Connosco a Acil, Rachel e o George, da Austrália; o Pelle, da Dinamarca; o Eth do país de Gales e sua namorada Ellen, da Inglaterra; a Iris e Adrian da Holanda; e a Ustrich, da Suíça. Todos estávamos muito entusiasmados por se tratar de uma zona que há muito aguardávamos para visitar.

Quanto a nós, estávamos muito contentes porque à primeira vista tudo estava a correr bem. Passada a fronteira com a Bolívia, dividiram-nos em grupos de 5 e 6 e meteram-nos em jipes 4×4, como já referi anteriormente. O arranque da nossa aventura começou com um forte e completo pequeno-almoço. Seguiu-se o primeiro dia visitas, com a entrada na reserva natural, onde vimos várias lagoas que apresentam águas de cores que variavam entre o verde, azul, branco e vermelho. O belo espectáculo natural, manifestado por desta profusão de cores, resulta dos minerais e partículas que as águas mantêm em suspensão. Para além destas variações, o que também lhes conferia uma maior beleza, era o facto de estarem “decorados” com grandes extensões repletas de flamingos. E para acabar na perfeição, imagine-se todo este quadro reflectido na água. Algo difícil de colocar em palavras.

Depois da visita ao lago branco e verde, fizemos uma paragem numas águas termais. A água estava quente; até custou entrar! Para além da temperatura da água, a paisagem que o rodeava era espectacular. Havia nuvens, mas até estas ficavam bem na retina dos meus olhos. De seguida fomos ver uns geysers, que são nascentes termais como as que existem na Islândia, por exemplo. Depois de observados fomos almoçar no primeiro hostel onde pernoitamos. Aqui deram-nos um almoço que nos caiu muito bem até porque, após uma manhã intensa, todos estavam a sentir-se cansados. Alguns, como foi o meu caso, também estavam com dores de cabeça. Isto aconteceu devido à altitude, pois encontrávamo-nos a 4300 metros e com pouco tempo para habituação. Em simultâneo com o chá que foi servido depois da refeição, entraram três crianças a perguntar se queríamos ouvir umas canções tradicionais. Surpreendidos, mas contentes, dissemos todos que sim. Após o fim da cantoria pediram-nos canetas ou cadernos para a escola, ao que respondemos afirmativamente com a respectiva oferta, para além de um convite para o lanche. Foi uma tarde de convívio entre todos, onde não houve qualquer dificuldade em estarmos bem uns com os outros. Todos tínhamos um objectivo em comum: fazer de tudo para nos divertimos.

Embora após o jantar e um bom jogo de cartas, fossem horas de dormir, havia, contudo, algo mais importante a fazer. Toca a pegar nos casacos, cachecóis, gorros e todos para a rua. O céu estava como nunca o tínhamos visto antes. Não havia lua, por isso, pudemos desfrutar das estrelas e das tempestades de trovoada que se avistavam em nosso redor. Com um grande sorriso na cara, mas demasiado cansados, agora sim, estava na hora da cama. De qualquer modo passei uma noite muito má, sempre com a boca seca e dores de cabeça. Parecia que estava de ressaca.

No dia seguinte a alvorada foi cedo, e eu, ainda com aquele efeito de ressaca, precisava de respirar ar puro. Foi o que fiz. Alguns minutos depois pusemos as malas em cima do jipe e partimos para o segundo dia de aventura. A primeira paragem foi na Laguna Colorada. Este lago, que concorreu para as 7 maravilhas naturais do mundo, ficando-se apenas pela nomeação, é composto por água vermelha. Aqui encontram-se também imensos flamingos, que não estando tão perto quanto gostaríamos, o certo é que estavam por ali. Os enormes bandos destas aves migratórias, vem até aqui para se alimentarem dos minerais em que estes lagos são muito ricos, como acontece com a nossa Ria Formosa, no Algarve. Tirámos mais algumas fotografias, porventura as melhores da viagem. O entusiasmo resultante dos momentos em que os flamingos voavam era mais do que muito. O seu reflexo na água, acompanhado por um cenário maravilhoso, será talvez a pintura perfeita que van Gogh queria alguma vez ter pintado. Nós como não temos grande jeito para a pintura, aproveitámos para tirar mais umas fotos.

De volta os jipes, continuamos a nossa rota pelo deserto. Na viatura onde viajávamos, para além de nós, estava o casal inglês, as duas australianas e o Celso, o condutor Boliviano. Como o decorrer da viagem, e como eles não entendiam patavina de espanhol, eu fiz de tradutor, por vezes também com a ajuda da Catarina. Passámos da Laguna Colorada para a Laguna Blanca, mais uma vez com a presença de enormes comunidades de flamingos. Fizemos uma pausa. Prosseguindo o trajecto, fomos ver a chamada Arból de Piedra ou árvore de pedra, nome que advém da sua forma e origem vulcânica. Como era de prever, trata-se de uma formação rochosa com a forma de uma árvore. A curiosidade é que foi inteiramente “esculpida” através da erosão natural e não pela mão do homem. Talentosa esta mãe Natureza.

O dia foi terminado no Hotel de Sal que, como o próprio nome diz, é um espaço inteiramente feito de sal, excepção feita aos colchões e cobertores. Estávamos às portas do Salar de Uyuni. Ao contrário da primeira noite de estadia, neste Hotel havia água quente. Mas, tal como é hábito na generalidade dos locais mais inóspitos, também aqui a água e electricidade só estão disponíveis em certos períodos do dias, sempre por tempo limitado. Assim, não restou outra alternativa se não termos que racionalizar os recursos, para que ninguém ficasse sem se lavar.

O amanhecer de dia 15 de Dezembro traz-nos um dia especial. É dia dos anos da Catarina. São momentos onde se desenvolvem sentimentos contraditórios pois, se por um lado, estar na Bolívia, a fazer algo que não sei se um dia se repetirá, é algo de verdadeiramente inesquecível, por outro, a presença da família também lhe faz falta. De qualquer modo, tivemos acesso ao telefone no final do dia, facto que permitiu mitigar alguma da tristeza causada pela ausência dos seus entes queridos. Voltando ao desenrolar do dia em si, começámos com um delicioso pequeno-almoço, onde aproveitei para fazer umas velas improvisadas com a cortiça da garrafa de vinho do dia anterior. Como para mais até havia um bolo, cantámos todos os parabéns.

Depois de carregarmos mais uma vez o jipe, seguimos para o tão esperado Salar de Uyuni: o maior deserto de sal do mundo. Durante os dias de viagem tivemos muita sorte porque não apanhamos chuva, embora na noite anterior tenha trovejado e chovido um pouco. Pior, o Celso disse-nos que caso tivéssemos optado por fazer o tour três dias depois, não seria possível entrar no deserto. Uma vez mais tivemos a sorte do nosso lado. O Salar de Uyuni é qualquer coisa de espectacular e de difícil descrição. É como olhar para o Oceano; não se consegue ver o horizonte. Creio que é o único sítio no mundo onde é possível observar tal efeito, excepções feitas ao mar ou lagos muito grandes. O imenso vazio, reflectido na água, aliado à presença das nuvens e, por vezes, de uma ou outra montanha, dá-nos a sensação liberdade. Apesar de termos ficado todos molhados e cheios de sal, andámos por aqui mais de 5 horas para percorrer parte do salar e tirar algumas fotografias engraçadas. Foi uma tarde única e cheia de diversão. Revelador do quanto estava a ser inesquecível, foi o facto do dia de anos da Catarina, até aquele momento, estar a ser muito bom, segundo a própria. Para almoçar, dirigimo-nos a uma pequena vila onde, além do repasto, todos aproveitaram para presentear a aniversariante. Ofereceram-lhe um cachecol e umas pedras de sal. Não estava à espera.

Aldeia no Salar de Uyuni

Havia que continuar para a fase final: o cemitério de comboios. Trata-se de um lugar sem nada de especial, onde apenas se podem encontrar velhos comboios estacionados. O tour terminou na cidade de Uyuni, lugar onde chegou a hora de dizer adeus a muitos dos que nos acompanharam ao longo dos últimos dias. Ficámos nós, o casal de holandeses e o rapaz dinamarquês. Depois de arranjarmos um local para dormir, fomos passear e beber umas cervejinhas. Ao jantar experimentamos carne de lama, que é quase como a carne de vaca, mas um pouco mais doce e talvez mais saborosa. Após a deliciosa e suculenta refeição, e como ainda era o dia de anos da Catarina, decidimos sair os cinco. Fomos até um bar, onde bebemos mais umas cervejas e jogamos um jogo de cartas. Foi um dia bem passado. Seguramente um dia diferente.

Inicialmente pensámos ficar em Uyuni por um par de dias, mas acabamos por resolver ficar apenas uma noite. Pormo-nos seguir no caminho de outras paradas. Segue-se Potosi.