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    Categories: Rotas Migratórias

Rurrenabaque, o primeiro contacto com a Amazónia

Após as festividades de mais um Natal, desta vez longe da família biológica, chegou a hora de seguirmos caminho. Destino!? Rurrenabaque, na amazónia boliviana. Globalmente existem duas hipóteses para chegar a este local: por avião, que é uma solução bem mais cómoda, demora apenas 30 minutinhos, mas é cara; e em autocarro, que é muito barata, mas demora 22 horas para fazer uns meros 400 quilómetros, talvez os mais perigosos das nossas vidas. Como estávamos com tempo optámos pela segunda hipótese. Queríamos também passar por esta famosa estrada e nos certificarmos da sua fama, coisa que facilmente se tornou evidente cerca de 1h00 após o início de viagem.

A aventura começou logo no primeiro minuto. Deparamo-nos com um autocarro malcheiroso, cheio de gente com roupa não muito lavada e música demasiado alta. Para subir a fasquia fizemos uma paragem para o almoço, mas como não tínhamos tempo – o autocarro saíra 2 horas atrasado – comprou-se comida na rua dentro de sacos de plástico e sem talheres. Deveríamos ser uns 40 indivíduos a comer dentro de um autocarro que não ultrapassava os 40 km/h sobre aquela estrada de terra batida. Enfim, sumos entornados pelos chão, comida colada aos mais improváveis locais e um cão que, além de acompanhar os seus donos, decerto se entreteve a apreciar a higiene do ser humano. Só mesmo visto! Mas isto foi o menos mau. O pior é mesmo a rota.

A estrada que serpenteia e recorta as montanhas tem largura para apenas uma viatura, mas o certo é que têm de passar duas. E quando alguma coisa corre mal, o inevitável fica mesmo ao lado: um precipício com mais de 300 metros. Esta é também a segunda estrada que mais mortes faz no mundo e nós estivemos nela. Para além de tudo disto estávamos na época das chuvas, ou seja, o que habitualmente é uma estrada de pedra e terra, vira facilmente um caminho pouco definido, mergulhado em lama e extremamente perigoso. O percurso, que não é iluminado artificialmente, chega também a ser tenebroso. A fé no camionista foi imensa, sobretudo nas inúmeras vezes que tivemos de retroceder para que outros veículos pudesse passar. É um caminho que não vamos esquecer tão depressa. Pela muita ansiedade de chegar ao destino, pelo estado do terreno e pelo cão que não parava de ganir, talvez por necessidades fisiológicas, não conseguimos dormir suficientemente.

No dia seguinte chegamos finalmente ao nosso destino: Rurrenabaque. Depois de tratarmos de arranjar um sítio para pousar o material, fomos à descoberta desta pequenina cidade com a intenção de arranjarmos transporte e alguém que nos pudesse levar para o meio da Amazónia. No decorrer da nossa busca, verificámos que existem essencialmente duas opções: ir para a selva ou para as pampas – as grandes planícies amazónicas. Passeamos um pouco mais, almoçamos, regateamos preços e, por fim, decidimos-mos pelas pampas. Mesmo com o aviso em que haveria muitos mosquitos e melgas, optamos pela segunda hipótese pois aqui poderíamos observar uma maior variedade de animais selvagens. Para além disso iríamos voltar à amazónia peruana e brasileira, ou seja, haveria outras oportunidades para experimentar a selva.

Pela manhã, acordámos muito cedo pois tínhamos pela frente uma viagem de 5 horas até chegarmos às tão faladas pampas. A viagem distribuiu-se por 2 horas dentro de um jipe, através de trilhos de pedra e terra, e 3 horas num barco sem cobertura, apesar do intenso calor. Não sendo uma viagem fácil, tudo acabou por se desenrolar bem devagar e de modo a podermos apreciar a maravilhosa paisagem. A nossa vontade em conhecer e aprender facilmente superou qualquer adversidade. Vimos crocodilos, muitas tartarugas, variadíssimas aves e, para nosso contentamento, muitos e diversos macacos. Como tínhamos umas bananas e estávamos muito perto deles, não resistimos em dar-lhes. Mal chamei a atenção do primata e lhe mostrei a banana, parecia uma criança quando recebe a sua prenda predilecta no seu dia de anos. Veio a correr pela frente do barco, sem olhar a meios e a perigos. Foi a alegria dos outros viajantes e biólogos que estavam connosco. Muitas fotos foram tiradas para recordar o momento.

Acampamento nas Pampas
Um dos inúmeros habitantes da região

Entretanto chegamos ao acampamento, essencialmente constituído por casa construída no meio da floresta que está adaptada para as duas estações do ano (seca e molhada). No acampamento tínhamos na nossa companhia um crocodilo e um jacaré de seu nome Pedro. Nas árvores passavam muitos macacos e aves dos mais exuberantes tipos. Havia também um alpendre, virado para esta grande planície, de onde se podia ver um grande pôr-do-sol. Contaram-nos que no dia anterior ao da nossa chegada tinha caído um macaco à água e que servira de almoço para Pedro. Nós só o vimos a caçar morcegos. Se qualquer modo, estava sempre de olho em nós, talvez à espera que um fosse acidentalmente ter com ele. Não acredito que atacassem um humano para o matar, visto que o crocodilo tinha apenas 3 metros e o Pedro um 2 metros e pouco, mas que não teriam cerimónias em comer um braço ou uma perca, isso não duvido. Por falar nestes calmos animais, antes de dormir, tivemos oportunidade de fazer um passeio de barco, sob um céu imensamente estrelado (mais um para recordar), para ver os olhos vermelhos e brilhantes dos crocodilos. Tivemos sorte porque conseguimos ver vários pares. Ouvimos ainda muitos pássaros e anfíbios. Cansados de uma viagem grande, mas felizes, chegou a hora de dormir. As camas encontravam-se protegidas por redes mosquiteiras, pelo que tivemos uma noite descansada.

Quando amanheceu já nos encontrávamos de pé. Estava na hora de procurar anacondas. Foi um passeio muito divertido, onde nos molhamos de cima a baixo, tivemos imensas picadas de mosquitos e, por fim, não vimos nada de nada! Assim é a Natureza. Todos tivemos de aceitar a sua vontade, até porque não estávamos propriamente num zoológico ou no jardim da dona Catrapásia, onde o cão só pode andar 3 metros. De qualquer forma valeu bem a pena o passeio que fizemos pela manhã.

E se de manhã não tivemos muita sorte de tarde fomos uns sortudos. A ideia era nadar com golfinhos e nós fomos dos poucos que tiveram a coragem de se mandarem à água “preta” daquele rio. O certo é que eles estavam ali connosco, sempre na busca de brincadeiras. Foram belos momentos de diversão, onde a felicidade motivada pela experiência de vida superou a desilusão em não vermos as anacondas pela manhã. Estávamos estafados pelo dia “cheio” que havíamos tido mas, já no final da tarde, fomos ainda para um local onde existia campo de voleibol e futebol. Deu-se então o grande dérbi entre o resto do mundo e a selecção da Bolívia. Com equipas formadas por seis elementos, todos a jogar descalços e sobre um terreno demasiadamente irregular, nós, a equipa do mundo, começamos por perder a primeira parte por 2 – 3. Tínhamos os dedos dos pés todos comidos pelo campo e os adversários nada. Sem nos resignarmos, entramos na segunda parte com mais ganas e, já com o sol quase a ir embora, conseguimos ganhar por 5 – 4. Apesar da rivalidade acabamos o jogo contentes pelo bonito jogo de futebol realizado.

Chegados ao dia da partida, não podíamos deixar as pampas sem antes ouvir o despertar de toda aquela natureza: os mochos, as águias e tucanos, macacos, perus e muitos outros que fazerem os seus movimentos e “gritos” pela manhã. Também tínhamos planeado uma pesca de piranhas mas, como tinha chovido demasiado e a água do rio estava suja, com excesso de ácidos e com falta de oxigénio, a maioria já tinha morrido. Não havia piranhas para pescar mas havia toda uma fauna e flora para descobrir. Foi o que fizemos. Fomos descobrir mais uns animais, sons e um grande conjunto de cores que vai mudando conforme a hora e a claridade do dia. Finda esta última actividade, regressamos a Rurrenabaque, mas desta vez mais rápido.

Era dia 30 de Dezembro e estávamos praticamente nas vésperas do Ano Novo. Disseram-nos que a passagem de ano na cidade seria muito boa, mas nós estávamos mais inclinados para regressar a La Paz. Era também um excelente pretexto para rever a família que tão bem nos acolheu. Depois de nos decidirmos definitivamente pelo regresso, novo contratempo: o autocarro que deveria ter saído pelas 22h00 não apareceu, pelo que só conseguimos sair por volta da 1h da manhã e após termos trocado de companhia. A chegada a La Paz, no dia 31, deu-se já pelo fim da tarde, onde fomos recebidos com um grande sorriso da nossa “família adoptiva”.

Pampas
Rio Beni

Ao contrário da tradição que de vive em Portugal, onde há quase a obrigatoriedade em se vestir cuecas azuis, este ano a Bolívia enveredou pela moda do amarelo. Foi um excelente fim de ano, num país onde também se vivem muitas tradições e superstições. Para quem quer saúde, veste de branco; os que querem continuar a ascender na carreira sobem pelas escadas e esquecem o elevador; os que querem viajar – talvez a mais engraçada e única que também experimentámos – têm de entrar em casa, já depois da meia-noite, com uma mala de viagem, cartões de crédito e passaporte. A primeira a cumprir esta tradição foi a “nossa” avó. “Cheguei da minha viagem” – disse-nos mal passou a porta da rua. Foi o suficiente para deixar toda a gente a rir à gargalhada.

Próxima paragem, Lago Titicaca.