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O calçado adequado faz metade de uma boa caminhada

Como escolher e o porquê das várias qualificações atribuídas aos vários tipos de calçado?

Dos mais técnicos aos mais comuns e casuais, por vezes vemos mencionado, ao jeito de subtítulo, aquilo que deveria ser uma das principais razões que nos levariam a escolher o calçado.

Mas como posso eu qualificar e interpretar a minha pegada?

Sem entrar em pormenores, que não sendo despropositados podem inibir quem queira chegar ao fim do artigo, vou procurar revelar um pouco daquilo que julgo essencial.

A anatomia do pé é complexa e composta por tecido conjuntivo, ossos, músculos e articulações que, quando cumprem a sua função, dão ao pé aquele jeito normal e bonito de que tudo está no sítio e a cumprir as funções pretendidas. A grande eficácia do pé vem da sua robustez, aliada à flexibilidade que a sua complexa estrutura articular possibilita, dando aos movimentos uma minúcia, assertividade e potencia que poucos pontos do nosso corpo conseguem igualar. Aqui, a forma serve a função. É no pé que se inicia a distribuição do impacto que os vários gestos do quotidiano afligem na nossa estrutura corporal.

Não sei se já repararam nas grandes abobadas que dão mote à visita dos turistas, por esses monumentos no mundo: abobadas de leque e abobadas de berço. Também neste caso em particular, a abobada ou arcada plantar faz toda a diferença. Tal como uma grande catedral que só sustem a sua cúpula por existir uma abóbada que dissipa as forças axiais, nos vários pilares e contrafortes, o pé, é a eximia abóbada do nosso corpo, visível na sua parte interna, mesmo quando este está apoiado. A abobada ou arcada plantar levanta a estrutura do pé por meio de tendões, ligamentos e músculos em sinergia com a osteologia do pé.

Assim, uma pegada normal sem desvios anatómicos consideráveis é chamada de neutra, sendo esta forma de pisar o solo a mais eficiente e que exige menos desperdício de energia, nomeadamente menos stress articular.

Depois podemos ter uma pegada pronada ou supina para as quais várias marcas de calçado técnico já vão mostrando interesse e, com isto, fabricando modelos de sapatilhas que respeitam a anatomia do pé, própria de cada um.

Perguntar-me-ão se faz sentido pedir a “bula” dos ténis e averiguar as suas especificidades? A resposta é:  sim, vale!

O meu sim é exclamativo pela simples razão de que um mau calçado, ou um calçado impróprio, poderá arruinar um momento divertido. Pior, poderá ser o mote às lesões do momento ou a todas as outras que por desgaste, e em silêncio, se vão afinando com a estrutura do pé, manifestando-se mais tarde em danos que poderão aparecer sobre a forma de problema crónico e que exigirão manutenção e longos períodos de repouso.

Para um caminhante é nefasto o facto de não poder acompanhar o mundo. Já temos a máquina fotográfica, a roupa mais evoluída de sempre, as mochilas ultraleves e impermeáveis a tudo quanto caia do céu e mais uma série de inovações que melhoraram as condições gerais de uma caminhada. Agora só nos falta os pés que, por desgaste e insistência das sapatilhas mais lindas que estavam na montra, sucumbiram a uns topo de gama feitos para atletas pronadores ou supinadores que nada têm que ver com a nossa forma neutra de pisar.

O meu conselho, e para não me tornar extenso, é que se use o bom senso de consultar um especialista para que vos indique qual a forma de tocar o mundo que o nosso pé tem. Nos ginásios, em momentos de avaliação, por vezes podemos perguntar se é possível observar e interpretar que tipo de pé é o nosso, até porque em muitos dos casos dispõem de Ortopedistas, Fisioterapeutas e Osteopatas que, por dever de percurso académico, devem ter roçado inúmeras vezes neste tema, cada vez mais pertinente e em voga.

Articulações de “Chopart” (verde) e “Lisfranc” (vermelho).
© Hellerhoff ( CC BY-SA 3.0 )

consultas de pedologia que devem ser tidas em conta, sem nunca esquecer que através dos pés um bom especialista consegue reter e elaborar conclusões semelhantes às que um perito em caixas negras consegue, após a queda de um avião. Não esperemos por isso pela queda e vamos começar por tomar mais gosto em saber mais sobre os porquês do nosso ser.

É óbvio que há mais a dizer sobre o pé, as suas necessidades e o calçado mais adequado para os vários tipos de tarefa, ou seja, o difícil é mesmo conciliar tudo: as tarefas, o gosto, as longas distâncias, os percursos sinuosos, o clima, a vegetação e a tecnicidade do percurso. Não esquecer que palmilhar quilómetros obedece a que as várias articulações do pé tenham liberdade para cumprir a suas funções, pois se determinada articulação for inibida de articular, toda a estrutura em volta acumulará tensão que poderá terminar num processo inflamatório, situação que se aconselha a evitar.

Normalmente as articulações do tarso que merecem mais atenção são as conhecidas: Chopart e Lisfranc. A articulação de Chopart deixa para trás os ossos calcâneo e astrágalo, iniciando o mediopé, que termina com a Lisfranc, articulação que inicia o antepé.

Falando assim percebemos que as fases do pé são todas pautadas por elementos ósseos e articuláveis entre si, pelo que o material que as envolver deve ser flexível, tanto no dorso quanto na planta do pé.


A sola do nosso calçado pode materializar-se de variadíssimas formas e conter os mais eficientes sistemas de amortecimento, sem naturalmente deixar de lado a robustez aliada à flexibilidade que deve acompanhar tudo o que já aqui foi mencionado.

Quanto às propriedades da sola, estas podem ser viscoelásticas, capazes de absorver impactos, deformar e regressar à forma inicial em curtos espaços de tempo – normalmente o tempo compreendido entre o apoio do pé e o regresso do mesmo pé a um novo impacto no solo.

Botas habitualmente utilizadas em caminhada de montanha.
© Paul Rysz ( CC BY 2.0 )

Uma boa forma de conseguir este efeito é a escolha de calçado que use gel na composição da sua sola, aplicado em caixas estanques onde o mesmo é encerrado, possibilitando deste modo uma margem de expansão mediante a compressão provocada pela passada do utilizador. Mas há muitas formas de minimizar o stress causado pela compressão que os diferentes estímulos – formas de caminhar ou correr – podem trazer: as caixas-de-ar, cada vez menos usadas; o “Gel” acabando de mencionar; a espuma; as solas por camadas, com diferentes texturas que contemplam e percorrem a anatomia do pé e a sua dinâmica durante a marcha; ou os contra fortes, em carbono, aplicados na sola que normalmente dão consistência à arcada plantar, mas que podem ser nocivos para quem, por exemplo, apresenta na sua forma de pisar uma pegada plana – ausência de arcada plantar. Tudo isto dever ser tido em conta.

Por isso, na hora de caminhar, não dispensem saber que calçado usar, o que melhor se adapta ao percurso que vão trilhar e o que melhor se adapta a vossa forma de “atacar” o terreno.

Posto isto, um artigo com esta natureza só ficará concluído depois das vossas dúvidas serem expostas, sendo certo que este é um tema que levantará algumas…

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  • Filipe, Muito obrigado pelo seu artigo, muito interessante. Este verão vou viajar 3 semanas ao sudeste asiático - Tailândia, Laos e Vietname - maioritariamente a fazer caminhadas diárias. Há possibilidade de indicar algumas sugestões de calçado apropriado? Obrigado e boas viagens, Pedro