“A colonização tem por objectivo enriquecer o nosso povo, sem escrúpulos e com decisão, à custa de outros povos mais fracos.” A frase-bandeira da Deustche Ostafrikanische Gesellshaft (Companhia da África Oriental Alemã) é de Carl Peters, o pai fundador do colonialismo alemão, e terá sido bichanada a Félix Behr-Baudelin, camareiro do ‘kaiser’ Guilherme I, durante uma partida de bilhar, no Outono de 1884.
Peters, um negreiro megalómano e torcionário, era obcecado pelas manchas brancas do mapa de África Oriental e pretendia instalar-se no então Sudoeste Africano (a Namíbia de hoje), e no Tanganica (a actual Tanzânia) antes que os portugueses, belgas, ingleses e holandeses, os principais colonizadores, pudessem fazer um levantamento dos vastos espaços onde “os indígenas não conheciam sequer o nome da Alemanha”. O alemão queria fundar uma colónia a todo o custo e seguir as pisadas epopeicas de Bismarck.
Da viagem inaugural de Peters até Zanzibar, o sultanato de escravos onde se acantonavam todos os candidatos a exploradores e negreiros, há relatos de que se fez nomear cônsul, que desembarcou no litoral fronteiro com quatro brancos, cinco negros, um intérprete, um cozinheiro e 36 carregadores e que levava ainda consigo brinquedos de criança, tecidos e dólmanes velhos de hussardos. Os brinquedos serviriam para distrair os indígenas e os dólmanes para trocar por terras.
Dos 12 tratados concluídos com chefes indígenas – e da oferta ao imperador de 150 mil quilómetros quadrados – nenhum teve o beneplácito dos himba nem dos herero, os povos milenares de Kaokoland, as terras nas cercanias do mais velho deserto do mundo, o Namibe. “Temos uma longa história de insubmissão, mas não somos guerreiros como os Masaai”, dir-me-á, gozoso, um himba moderno, numa memorável visita aos seus domínios ancestrais. Na verdade, Peters não chegou a acordo com os himba simplesmente porque não foi capaz de levar a expedição até aos feudos infernais do deserto onde os termómetros matavam. “O calor foi sempre a nossa armadura”, dizem os himba ao estrangeiro que passa, lembrando que a esturra dura 365 dias por ano.
Duas semanas a viver na canícula bastaram para conhecer as impiedades do termómetro. Ali, mais do que no Sara, atravessado desde a Antiguidade por caravanas de dromedários, a Natureza dita as suas ordens de forma implacável, com o ferrolho do imenso Calaári a fechar as portas ao viajante mais intrépido. “São poucos os estrangeiros que se aventuram a cruzar a Namíbia sozinhos. Sobretudo são poucos os que se instalam. Quem é que quer viver num sítio a dias e dias de qualquer oásis?” perguntará o himba. Eu.
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