João Leitão, nascido em Lisboa há 35 anos, é um dos maiores viajantes portugueses da sua geração. Com residência permanente desde há uns anos em Ouarzazate, Marrocos, o João é daqueles andarilhos que não deixa ninguém indiferente às suas estórias, tal é a forma como vive cada uma das suas viagens.

Licenciado em Artes Visuais pela universidade de Évora, desde muito cedo se tornou inseparável da sua mochila e da vontade em conhecer novas latitudes, povos e culturas.

Apesar de normalmente viajar sozinho, no seu último grande projecto de viagem, o João embarcou com a sua mulher numa Volta ao Mundo, com a duração de 19 meses, que os levaram a dezenas de diferentes latitudes, nomeadamente a uma que é o sonho de muitos viajantes: a Antártida.

Neste momento o número de países visitados já ultrapassa os cem e os passaportes são mais de cinco. Mas mais impressionante que estes números, são as estórias que nos conta, às centenas, no seu reconhecido www.joaoleitao.com.

Uma das grandes qualidades do João Leitão enquanto viajante é a simplicidade, até porque será talvez a única forma de experienciar e viver o mundo como ele realmente é. Vamos então conhecer um pouco melhor este talentoso viajante.

PSe contabilizarmos o teu percurso de viajante, estamos a falar em mais de 100 países visitados, tudo num período de anos relativamente curto. Afinal como é que tudo isto começou? Como é que surgiram as viagens na tua vida?

RComecei a viajar de forma independente em 1999. Não penso que sejam muitos lugares para os mais de 15 anos a viajar intensamente, até porque se olharmos aos períodos em que viajo todos os anos, devo ter uma média anual de uns 6 meses em viagem. Daí ter percorrido metade do mundo. Em qualquer dos casos, há países que acabei por visitar mais em detalhe e outros por onde passei mais rápido. Eu percebo a aparente dificuldade em alguém, que só tem 1 mês de férias por ano, conseguir percorrer um número tão elevado de países. Mas para quem tem a felicidade de poder alongar esse período, as coisas tornam-se um pouco mais fáceis.

Mas nem sempre o tempo e espaço querem dizer muito. No fundo tudo se deve a algo muito singular: saber contemplar e apreciar. E por vezes basta um breve segundo para que o consigamos fazer… Há lugares onde fico um ou dois meses, outros onde fico um fim-de-semana e outros ainda onde fico apenas dois ou três dias.

Penso que a raiz das viagens terá aparecido com os meus pais, e mais tarde com a prática do Kung-fu, pois é uma arte marcial onde fui ensinado a explorar para desenvolver a minha personalidade enquanto individuo. Posteriormente, já na universidade, criei um projecto fotográfico intitulado “People of the World”, para o qual necessitei de viajar frequentemente entre 2001 e 2005. Terá sido aí que o bichinho das viagens ficou gravado para sempre.

PNo fundo, o que significa para ti viajar?

RPara mim viajar é ver coisas novas através de uma achega infantil, no sentido em que procuro ver as coisas com um olhar novo em tudo o que faço – é quase como se fosse a primeira vez e onde tudo se traduz em descoberta. Como gosto muito de cor, sabores, música e idiomas, as viagens são uma forma de “mergulhar” em tudo ao mesmo tempo.

PAchas que para se atingir o estatuto de viajante, se é que isto se pode colocar nestes termos, é preciso aprender a viajar?

RGenericamente eu diria que essa questão de atingir um estatuto qualquer, é uma necessidade muito portuguesa. O português precisa de ser algo, ou ter o estatuto de alguma coisa. Eu pessoalmente nunca me preocupei muito com esse dilema. Em concreto nas viagens, penso que ninguém merece em exclusivo esse falso estatuto, principalmente quando cada pessoa tem a sua própria viagem e à partida todos nós podemos ser viajantes, cada um de uma forma muito própria. Viajar é viver, é inato, não precisamos de aprender nada.

PQue sumário apresentarias da primeira lição se tivesses de ensinar alguém a viajar?

RComo sou uma pessoa muito prática, o sumário da minha primeira lição seria qualquer coisa do tipo: “Visita de estudo a Marraquexe”. Sem dúvida que esta cidade faria de escola para as várias facetas do que significa realmente viajar, a todos os níveis e de uma maneira exacerbada. Seria um curso completo…

PExiste algum viajante moderno, nacional ou internacional, que te inspire no dia-a-dia?

RSim, claro! O Felix Baumgartner e o Henry Worsley, por exemplo.

PQual ou quais os países mais fascinantes que já visitaste? Porquê?

RNeste momento, e já que é uma lista que pode mudar consoante o meu estado de espírito, sinto que gostei particularmente da Guatemala, Uzbequistão, Irão, RDC, Omã, Etiópia, Afeganistão, Marrocos, Peru e Islândia. E para além das viagens propriamente ditas, foi muito marcante para a minha juventude ter vivido pelo menos 6 meses nos Estados Unidos, Turquia, Finlândia, Marrocos e Ucrânia.

João Leitão com um grupo de três jovens frente a uma loja de Hargeisa, na Somália.
João Leitão com um grupo de jovens de Hargeisa, na Somália.

PSe te pedir algum distanciamento emocional, consegues olhar para a tua própria vida como uma viagem permanente? Porquê?

REu acredito que a vida é uma viagem permanente e que todos estamos cá com um bilhete de ida-e-volta. É por isso que tento incentivar as pessoas com os relatos e informação de viagem que publico no meu blog de viagens, pois acredito que é uma forma de aproveitarem melhor o tempo que a vida lhes tem reservado. Porém, apesar de viajar ser importante para mim, pode ser completamente supérfluo para uma outra pessoa e não ser preciso fazê-lo para aproveitar a vida ao máximo, pois ninguém é incompleto só porque não quer ou não pode viajar. E porquê? Porque a grande viagem é feita no interior do nosso próprio ser. Pode haver alguém no jardim da sua aldeia que contempla melhor o amanhecer, o céu, os pássaros e as folhas a balançarem com o vento, do que outros que percorrem meio mundo e nunca se aperceberam destes pequenos detalhes da vida. Viajar não pressupõe criar uma relação melhor com o exterior nem com o nosso interior.