PApós tantos anos de viagens, caminhos, pessoas e experiências, o que é que ainda te consegue surpreender?

RTudo me surpreende. Tenho memória curta. Tudo vem e tudo vai muito rápido.

PDepois de tanta experiência acumulada e vivida, passaste a ver o mundo sob outra perspectiva?

RSem dúvida! Acho que fiquei a ver o mundo através de uma Múltipla Projecção Ortogonal.

PConsegues isolar o episódio ou situação que positivamente mais marcou as tuas viagens?

RTudo em viagem me marcou positivamente, mas talvez destacasse as inúmeras conversas que estabeleci com as pessoas com quem me cruzei ao longo dos muitos anos de estrada. Como sou uma pessoa extremamente comunicativa, entender os países que visitei através da voz de quem lá vive é muito diferente. Prefiro assim e é assim que enriqueço as minhas jornadas na estrada. Noto que desenvolvi muito a minha capacidade de compaixão, paciência e abertura de mentalidade. Descobri também que nós, erradamente, avaliamos demais os outros a partir da nossa própria maneira de ser, e talvez tenhamos de compreender os outros através da sua própria maneira de pensar.

PE negativamente?

RNão é tanto uma questão de episódios negativos, mas sim a atitude a que me vejo obrigado em algumas ocasiões, pois é a única forma de viajar em total aventura em certos destinos do globo. Falo em coisas como desconfiar, mentir, pressionar, ser antipático, chico-esperto, bruto, andar sujo ou ser egoísta. Não são coisas de que me orgulhe particularmente, mas não há volta a dar. As coisas são mesmo assim! Viajar não tem necessariamente de fazer de nós melhores pessoas.

João Leitão com um grupo de militares numa estada do Afeganistão.
Encontro com a força militar de segurança, no Afeganistão.

PA velocidade com que viajas é absolutamente vertiginosa. Trata-se de uma necessidade ou apenas mais uma etapa de um planeamento há muito estabelecido?

REu tenho dois ritmos de viagem: um rápido e um lento. Há viagens em que sinto necessidade em demorar mais tempo nos lugares e outras que vou seguindo mais rápido. Em qualquer dos casos, não planeio muito e gosto do conceito de viajar rápido, até porque há sempre muita coisa para ver. Sou uma pessoa muito energética e não preciso de ir um mês para me sentar na praia a descansar, pois nunca viajo para ir de “férias”.

Eu sou do tipo de pessoa que quer ver e conhecer muito enquanto puder, pois não sei o que me reserva o futuro. Veja-se o que aconteceu a um conjunto importante de monumentos no Nepal, com o recente terramoto, ou o que se passa diariamente com a guerra na Síria – são dois exemplos de países perdidos. Quando tenho um mês para viajar num país, prefiro habitualmente restringir 2 ou 3 dias a cada sítio, em detrimento de passar uma semana em apenas 3 ou 4 lugares em particular.

Mas há períodos em que me sabe bem descansar e fazer tudo muito lentamente. Quando assim é, posso ficar meses sempre no mesmo país ou no mesmo local. Há vários países onde já permaneci por períodos que vão dos 2 aos 6 meses. Resumindo: são duas formas legítimas de viajar que aproveito consoante as ocasiões. Ninguém viaja melhor ou pior só porque viaja mais rápido ou mais lento. Cada um com a sua.

PE há algum arrependimento no que possas ter feito? Mudarias alguma coisa caso isso fosse possível?

RSim, devia ter ido à Síria. Tentei entrar por duas vezes mas nunca se concretizou. Devia ter insistido. Agora acabou. Quem foi, viu. Quem não foi, agora só vê através de fotos e vídeos.

PExiste uma expressão portuguesa que diz qualquer coisa do tipo: “parece que tem bichos-carpinteiros”. Aplicado às viagens, revês-te nesta ideia? O teu segredo, se é que existe, é estar sempre no encalço de novos projectos de viagem?

RBem, eu nasci prematuro de 8 meses, o que significa que estava pronto para sair e conhecer o mundo. Não sei se isto é uma apenas uma coincidência, mas o certo é que eu sou uma pessoa naturalmente activa e positiva, sem grande paciência para pessoas derrotistas, acanhadas, negativistas, preconceituosas, invejosas e sem projectos. Não aceito desculpas para não sermos o que desejamos ou criarmos e concretizarmos o que queremos. É por isso que gosto de pessoas com um certo brilho nos olhos. Dito isto, sim, sou uma pessoa que se sente bem a criar frequentemente novos projectos, nomeadamente de viagem.

PExiste alguma viagem que não poderás deixar de fazer um dia?

REnquanto puder e a saúde e o dinheiro o permitirem, não haverá nenhuma viagem que não ambicione fazer um dia.

PE qual seguramente nunca farás?

RInfelizmente, acho que nunca irei à Lua. Pelo menos é aquilo que me parece mais improvável neste momento. Mas o melhor é voltares a fazer a mesma pergunta daqui por uns 30 ou 40 anos. Tudo pode acontecer.

João Leitão junto a um monumento de guerra, com dois russos, em Chechnya, na Rússia.
Durante a passagem por Chechnya, na Rússia.

PQuantos países já visitaste? Vês no número uma meta, isto é, persegues a ideia de visitares o maior número de países possível, ou deixas que sejam as condições do momento a escolher os teus destinos?

RJá visitei 118 países das Nações Unidas e mais 20 territórios não reconhecidos e regiões autónomas. Se tivesse projectado visitar o maior número de países possível em pouco tempo, nunca teria visitado certos países várias vezes, ou explorado outros durante vários meses, por exemplo. Se quisesse ter “acabado” o mundo já o poderia ter feito – mas viajando de outra maneira.

Relativamente aos destinos, eu não sou nada organizado, por isso, quando organizo aproveito para tentar fazer diferente do habitual. Há muito que aprendi a não me preocupar com a organização ou escolha de novos destinos. Um bom exemplo disto é a minha Volta ao Mundo que, excluindo um ou outro aspecto, não foi planeada – habitualmente só umas semanas antes é que sabíamos com alguma certeza qual seria o próximo destino. Outro exemplo é a recente viagem que fiz à Tunísia ou África Austral, decididas apenas dois dias antes e no momento em que comprava os bilhetes de avião.

Não conto exaustivamente os destinos que visito, mas digo sem vergonha que gostaria de visitar todos os países do mundo, uns quantos territórios não reconhecidos e algumas regiões autónomas interessantes. Sei que há pessoas que criticam esta afirmação – e que dizem que ando a contar carimbos -, mas é normal… Infelizmente, o habitual é haver gente a criticar os sonhos dos outros. Mas qual é afinal o problema em dizer abertamente que gostaria de visitar todos os países do mundo? Faz de mim pior pessoa? Faz de mim pior viajante? O problema seria sentir essa vontade e não a revelar só para satisfazer os caprichos de gente falhada, invejosa e cínica. Em suma, cada um vive como quer e como acredita que devem ser realizados os seus sonhos.