PMudando agora um pouco o sentido da conversa, vamos voltar ao tempo em acabaste os teus estudos em Artes Visuais. Antecipo aqui uma certa ruptura porque foi o momento em que te mudaste de armas e bagagens para Marrocos, país onde continuas a residir. O que te levou a esta mudança?

RPara além de Marrocos ser um país muito exótico, musical e colorido, o seu povo vive com um positivismo constante, característica da qual gosto particularmente. Em qualquer dos casos, diria que a razão desta mudança remonta ao anos em que estudei na universidade, período onde também trabalhei como tour leader a fazer quatro ou cinco viagens anuais desde Évora até ao Deserto do Saara. Como oportunidade puxa oportunidade, acabei por ficar.

PE o que é que Marrocos tem de tão especial para ter sido eleito como a tua nova morada?

RTodo o país é muito exótico e o seu povo muito acolhedor e simpático. Penso também que o que me afastou de Portugal foi o facto de os portugueses, de maneira geral, serem muito derrotistas e andarem sempre a queixarem-se de tudo e de todos. Se está calor queixam-se que está calor, se está frio queixam-se que está frio. O marroquino, contrariamente ao português, sorri mais e satisfaz-se com o que tem. É uma boa lição de vida – aprender a estar satisfeito quando se tem e quando não se tem. Um marroquino pobre sorri e um marroquino rico sorri. Um português pobre queixa-se; um português rico queixa-se. Não entendo!

PHá alguma coisa que só possa ser encontrada em Marrocos e não em qualquer outra parte do mundo?

RApesar de cada país ter as suas preciosidades e segredos, Marrocos tem uma diversidade cultural e de paisagens inacreditável. A minha vinda para o país foi a consequência de uma série de decisões e adoro cá estar. Gosto das cores, da arquitectura, da abundância de vegetais e frutas, da simpatia e positivismo do povo, da luz, dos idiomas… Enfim, há por aqui uma espécie de ambiente mágico e isso é bom.

PJá alguma vez pensaste no que seria a tua vida, caso tivesses enveredado por outro caminho quando acabaste os estudos em Artes Visuais? Falo, por exemplo, de te teres mantido em Portugal e teres acabado numa qualquer empresa nacional. Como seria hoje esse João Leitão?

RSempre soube o que quis da vida, pelo que acabar numa qualquer empresa nacional nunca esteve nos meus planos. Não acabei onde estou por ordem do acaso, mas antes por decisão própria. Sempre planeei ter a minha própria liberdade laboral, até porque nunca me rendi à luta por algo que não fosse a minha independência. Se o João Leitão tivesse ficado em Portugal, hoje não seria uma pessoa muito diferente.

PNão sentes saudades de Portugal? Nunca pensaste voltar definitivamente?

RSou muito bom a aceitar onde estou. Saudade é uma palavra estranha para mim, já que me adapto facilmente aos locais por onde passo. Como não acredito que tudo seja definitivo na vida, Marrocos provavelmente também não será para sempre. Eu gosto muito de Portugal e aproveito ao máximo quando lá estou, mas será este o local para onde voltarei? Como não consigo antever a vida de uma forma tão simplista, pode ser que sim. Quem sabe!?

PÉs um homem dado a crenças? Qual é o peso que a meditação tem na tua vida e como é que isso te ajuda nas viagens?

RNão sou muito dado a crenças ou religiões, mas confesso que algumas vezes dou por mim a praticar algum tipo superstição ou ritual.

PQuem segue o teu percurso, sabe que és um homem de projectos e causas. Quais são as tuas verdadeiras causas?

RNa sequência de ter interiorizado demasiado as minhas causas, acho que neste momento estou até um pouco à deriva. Vejo frequentemente que aquilo em que acreditava, que demorou o seu tempo a construir, se tornou tão natural que neste momento é inato. E isto pode ser perigoso, já que posso perder as raízes do que me fez aquilo que sou. Dito isto, reconheço que ando num processo de entender, uma vez mais, o que me levou a ser a pessoa que hoje estás a entrevistar.

João Leitão com um casal de índio na Amazónia, no Brasil.
Encontro com uma tribo de índios na Amazónia brasileira, durante a volta ao mundo.

PJá alguma vez desenvolveste algum tipo de voluntariado em viagem? Achas isso importante no desenvolvimento de um indivíduo enquanto viajante?

RFiz várias acções de voluntariado com crianças em Portugal, mas sem ter que ver directamente com as viagens. No estrangeiro estive no Cazaquistão, onde desenvolvi duas acções de voluntariado com crianças: uma onde dei aulas de artes plásticas e outra onde ensinei inglês, numa espécie de campo de férias em Almaty, no sul do país. Não acho que este tipo de acções sejam importantes para o meu desenvolvimento enquanto viajante, mas enquanto pessoa, disso não tenho dúvidas. Dar é muito bom, tal como receber…

PNo que toca aos projectos onde estás envolvido, são conhecidos os vários sites sobre viagens, o Dar Rita – riad em estilo marroquino que funciona como hotel na cidade de Ouarzazate – ou as muitas expedições que organizas a Marrocos. Há algum destes projectos que te mereça mais carinho?

RQuer o hotel Dar Rita, quer a organização dos tours com o Marrocos.com, não podiam vencer sem a participação da minha irmã, a Rita. São projectos desafiantes e muito motivadores, mas onde precisamos um do outro para termos sucesso. É por isso que não tenho dúvidas quanto ao que me merece mais carinho: é o facto de poder estar metido nisto com a minha irmã.

PMas tens necessidade em desenvolver permanentemente novos projectos?

RTenho muitos projectos em mente e dezenas de coisas que gostaria de concretizar. Mas estou vigorosamente a tentar habituar-me à ideia de que “menos é mais” – “less is more”.

PE estes projectos têm que ver apenas com o sector das viagens ou há áreas completamente diferentes?

ROs projectos em que penso são em todas as áreas possíveis e imaginárias. Lembra-te que estudei Artes Visuais? Imaginação é o que não falta!