A Bósnia-Herzegovina será porventura o país europeu mais isolado. Não é fácil viajar-se para lá. Nem por terra nem por ar. E isto sente-se na sua capital. O centro de Sarajevo terá a sua porção de turistas. Mas não são muitos, e basta dar uns passos para fora daquela pequena área mais visitada e os estrangeiros deixam de se ver.

Mas nem sempre foi assim. Durante séculos Sarajevo foi um centro de rotas, como o próprio nome, baseado na palavra Karavansaraj – algo que correspondia no universo otomano ao moderno motel de estrada – indica. Contudo, apesar de se ter formado em consequência das paragens dos exércitos turcos naquele maravilhoso vale, Sarajevo nem foi a mais importante das cidades durante a ocupação muçulmana. Foi apenas com a chegada dos austríacos, em 1878, que a cidade ganhou importância, se agigantou, tornando-se na capital da província.

Instantâneo da vida quotidiana
Instantâneo da vida quotidiana
© Ricardo Ribeiro

Esta ocupação sucessiva lavrou o presente da cidade. Em Sarajevo o Oriente e o Ocidente encontram-se. A Europa toca a Ásia. E o mais espantoso é que este dar de mãos é visível, ocorre num ponto exacto, na rua pedestre que é hoje o centro comercial e social da cidade. Ali foi traçada uma linha que não deixa dúvidas: a poente, encontramos a Sarajevo otomana, dos bazares, das casas de café, das moradias de madeira, de traça urbana confusa, trepando pelas colinas envolventes. A nascente, a arquitectura austríaca, não muito diferente da que encontramos em Praga, em Budapeste ou em Viena.

Para sublinhar este encontro civilizacional, ali mesmo, um par de centenas de metros em redor da linha dos dois mundos, existe uma igreja católica, uma mesquita, uma sinagoga e um templo ortodoxo.

Para o viajante esta configuração tem atractivos inegáveis, porventura mais fortes do que se tivesse existido uma fusão resultante num multi-culturalismo indistinto. É possível mudar de um ambiente para o outro, e o mais espantoso é que as gentes que habitam de um e do outro lado da linha são as mesmas. Se linhas humanas existem na Sarajevo de hoje são traçadas mais longe, onde a comunidade de origem sérvia se instalou após a guerra. A maioria da cidade ficou nas mãos dos Bósnios muçulmanos. Sim, é verdade, em Sarajevo vive-se o Islão liberal, não aquele que enche noticiários e primeiras páginas de jornais, alimentando medos e hostilidades sem sentido, mas um outro, que não é mais nem menos radical do que o catolicismo francês.

Um jogo de xadrez
Um jogo de xadrez
© Ricardo Ribeiro

Durante a maior parte do século XX Sarajevo foi apenas a capital provincial da Bósnia-Herzegovina, uma parte da Jugoslávia. Quando a guerra civil se iniciou, já quase todos tinham esquecido que tinha sido precisamente ali, junto à Ponte Latina, que em 1914 o anarquista Gavrilo Princip assassinou o arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro à coroa do Império Austro-húngaro, que por essa altura controlava a região. Com esse acto despoletava-se a Primeira Guerra Mundial.

Mas a guerra que deixou marcas em Sarajevo foi outra, aquela hedionda carnificina entre irmãos, o conflito mais manufacturado do que real entre Sérvios e Muçulmanos, que deu origem ao mais prolongado cerco da História Moderna. Durante quatro longos anos, entre 1992 e 1996, os militares sérvios ocuparam as colinas que abraçam a cidade, e durante todo esse tempo bombardearam os bairros residenciais e aterrorizaram os habitantes com um mortífero fogo de snipers.

Viver a vida em Sarajevo
Viver a vida em Sarajevo
© Ricardo Ribeiro

Dessa batalha existem marcas por todo o lado, apesar de lentamente irem desaparecendo. Vêem-se prédios crivados de estilhaços, cemitérios imensos, monumentos discretos. São testemunhos físicos dos dias difíceis. Mas a memória não se vê. Eventualmente escuta-se, da boca dos sobreviventes. Histórias de horror, muitos dias de medo, um medo a que as pessoas se foram parcialmente habituando. Foi uma guerra moderna e como tal deixou também as suas marcas ao alcance de todos: os documentos videográficos sobre o cerco de Sarajevo disponíveis no Youtube são imensos.

Não é fácil descrever Sarajevo num simples artigo. Nem mesmo propor um roteiro de visita. Sarajevo sente-se. Tem que ser explorada sem limites. Ao calhas, nas calmas.

Cemitério judeu
Cemitério judeu

Há tanta coisa… o cemitério antigo dos judeus, o segundo maior da Europa… o imponente edifício da Biblioteca Nacional, reconstruído depois de o original ter sido incinerado sob as granadas sérvias, e com ele a memória documental de uma nação. E as pontes, a Latina, clássica, do período de ouro dos Habsburgos, mas também aquela onde tombaram as primeiras vítimas inocentes da guerra mais recente. Há a Baščaršija, o núcleo histórico, onde as belas mesquitas e as ruas do mercado atraem os poucos turistas que se deslocam a Sarajevo. A fábrica de cerveja Sarajevska, com o seu pequeno museu privado e a memória dos dias de cerco quando o lençol freático que se encontra sob as suas instalações era a única fonte de água para abastecer a cidade também merece uma visita.

Mas o mais interessante será porventura subir pelas colinas, fortemente urbanizadas, e descobrir o quotidiano dos habitantes de Sarajevo, num universo quase rústico, apesar de tão perto do centro da cidade.

Aspectos Prácticos

O bazar
O bazar
© Ricardo Ribeiro

Chegar-se a Sarajevo não é fácil. Encontra-se bastante isolada da Europa apesar de se encontrar numa posição quase central. O melhor será voar para lá e para isso poderá encontrar os melhores voos para Sarajevo no buscador Rumbo.pt.

A melhor altura para visitar será logo antes do Verão ou imediatamente depois. Que é como quem diz, Maio-Junho ou Setembro e início de Outubro. Por essa altura o clima é ameno, não existem tantos turistas e a natureza está no seu melhor.