Sentei-me na muralha defronte da Ponte Vecchio, e a esferográfica começou a rabiscar num papel amachucado que tinha no bolso.

“Querida Florença,

Ver-te assim, tão sedutora e tão bela enquanto dormes é um dos maiores privilégios que alguma vez pude almejar.

Sei-te nua e indefesa, por baixo desse lençol de névoa que te protege. Quem me dera poder observar novamente o sol descobrir-te aos poucos, até desnudar cada recanto do teu corpo.

Daqui a pouco a névoa já se foi, afastada pelo sol, e tu acordarás, bela como sempre e mais tentadora que nunca.

Eu estou de partida, sem poder desfrutar do teu amanhecer nem da tua nudez.

Quem me dera ser possível descrever por palavras aquilo que sinto. Seguramente passei despercebido aos teus olhos, como tantos outros que se cruzam contigo, e olham-se demorados em ti sem que te apercebas.

Infelizmente estou de partida sem poder desfrutar do teu amanhecer.

Quem me dera poder ver-te acordar, despida nos teus tons rosáceos, e sentir a alegria que emanas em cada ruela, em cada esquina, em cada praça.

Quem me dera que fosse possível desfrutar sempre da tua companhia, ver-te florir na primavera, sentir no meu corpo o teu calor de Verão, contar as folhas que vão caindo durante o Outono, ou limpar-te as lágrimas feitas de chuva no Inverno.

Mas estou de partida sem poder desfrutar do teu amanhecer.

Sentado nesta muralha, sinto que foi o destino que nos cruzou. Olho os caminhos que percorri, cheios de encruzilhadas e atalhos, dúvidas se deveria ir para a direita ou pela esquerda, mas deparo-me aqui, hoje e agora.

Não sei se poderia estar num lugar melhor, ou onde outros caminhos me poderiam levar, apenas sei que me sinto bem aqui, contigo.

Quem me dera permanecer aqui para sempre, e não me afastar de ti nunca mais, mas infelizmente estou de partida sem puder desfrutar do teu amanhecer.

Queria que nada contasse, que deixasse de ter de percorrer caminhos à procura não sei do quê e não ter de me ir embora agora.

Queria que os nossos destinos ficassem unidos para sempre.

Queria esquecer o passado, e viver o presente.

Mas estou de partida sem poder desfrutar do teu amanhecer.

Quem me dera que o tempo parasse.”