Confesso que a primeira vez que ouvi falar de viagens foi na escola primária. Foi aí que primeiro ouvi e depois li sobre os descobrimentos: um período áureo na história da nação, onde navegadores se agigantaram em mares revoltos. Viajar, desde aí até aos dias de hoje, tornou-se um verdadeiro paliativo para a minha sanidade mental, tal como uma tatuagem entranhada na pele. De volta aos descobridores e aos notáveis navegadores lusitanos, que da lei da morte se foram libertando, recordo Fernão de Magalhães que, ao contrário de Júlio Verne, salvo melhor informação, terá sido o primeiro homem a organizar uma viagem de circum-navegação no distante ano de 1519. E apesar de já não a ter terminado, foi ele o obreiro da primeira Volta ao Mundo, atrevendo-me mesmo a dizer que foi ele a mãe de todas as voltas ao mundo que hoje, muito sui generis, se apregoam por aí.

De facto, dos manuais escolares sobre os descobrimentos eu bebi a minha primeira viagem pelo Mundo. Desde então, ler um livro de viagens tornou-se um lugar-comum, no sentido em que facilmente viajo ao ler as histórias fantásticas que me levam a entrar em ambientes exóticos, possuir outros estados de alma, descobrir o desconhecido ou viver várias vidas e sonhos nunca antes sonhados. Por dá cá aquela palha, volta não volta, lá vou eu para lugares tão distantes o quanto a minha imaginação permite. Até que um dia, com a ajuda da Ana e da Andreia, os sonhos tornaram-se realidade e as viagens passarem a fazer parte da vida. Comecei a sentir o Mundo de uma forma tão intensa como se ele fosse feito à medida dos meus sonhos. Depois de muito saltitar por este admirável mundo novo, que é o nosso Mundo, de uma maneira ou de outra, confesso-vos: o Mundo mudou-me.

Aprendemos, em muitos quilómetros palmilhados, a mudança que o Mundo operou em nós. E quando falo em mudança, falo de gratificantes experiências de vida, que contribuíram para que hoje sejamos melhores seres humanos do que éramos no passado. Na primeira pessoa, ou através dos outros, todas as experiências de vida adquiridas foram fundamentais para aprender o essencial sobre o Mundo: o melhor do Mundo são as pessoas e todas elas são diferentes umas das outras. E é essa diferença que as torna iguais entre os pares. Sermos diferentes é o que nos torna iguais. Isso, e o respeito. Respeitar o semelhante para que ele também nos respeite a nós. Só assim poderemos conviver e subsistir nesta enorme Aldeia Global. Caso contrário corremos o risco de ficarmos sós nos últimos momentos da grande viagem: a Viagem da Vida.

Em viagem conheci pessoas e locais, senti paixões e emoções. Por vezes as coisas não correram como planeado e às vezes… (só Deus sabe). Desiluda-se quem pense que viajar é um mar de rosas. Não é. Desengane-se quem pense que viajar pelo Mundo não tem dificuldades, que os rios são tranquilos, os mares calmos e a terra é sempre plana. Desengane-se ainda quem acredita que somos todos bons rapazes, tementes de Deus e que a Mãe Natureza é um Éden. Não amigos viajantes, não é verdade! É certo que na maior parte das vezes corre tudo bem mas, quando assim não é, os acontecimentos são verdadeiras lições que a vida só nos dá uma vez. Nessas andanças, por exemplo, aprendi que há vezes em que o silêncio evita problemas e que um sorriso resolve muitos outros. Aprendi o sentido da gratidão em vez de achar que tinha direito a ele. Hoje perdoo mais e já não guardo tanto rancor. Assumo os meus erros sem os imputar a terceiros. Falo mais de ideias e menos de pessoas. Sou menos avarento e gosto até, imagine-se, que outros vençam onde eu não fui bem-sucedido. Tento exteriorizar alegria em vez de queixumes e azedumes. E em vez de esconder ensinamentos, tento transmiti-los na esperança de que isso torne ou outros melhores.

Não sou um académico nem tenho qualificações para estabelecer teses. Tudo o que aprendi foi baseado em experiências de vida. Tento comunicar o mais eficazmente possível, sempre com o intuito de criar alguma empatia com os leitores. Escrevo sobre locais, povos e culturas. E aí, pegando nas palavras do ilustre Eça de Queiroz, qual acordo ortográfico!? Eu não escrevo em português – umas vezes emoções, outras eternas paixões –, eu escrevo sobre a vida. Viajo sempre com a Ana e a Andreia (temos conseguido!), a minha família, traves mestras da minha felicidade e equilíbrio emocional. Uma é a Estrela Polar, a outra é o meu Porto de Abrigo. Graças a elas alguns dos ensinamentos foram menos ásperos. No que diz respeito à religião e à espiritualidade, alguns ensinamentos tornaram-se verdadeiros códigos de conduta. Aprendi o conceito de que a religião é para quem tem medo ou, por exemplo, para quem não quer ir parar ao Inferno; e que a espiritualidade, essa é para quem já esteve nesse mesmo Inferno. Hoje sou uma pessoa mais espiritual. Os japoneses acreditam, na sua imemorial sabedoria, que um encontro não é mais do que o princípio de uma separação. Mas a minha espiritualidade conferiu-me um novo conceito diferente: os amigos não se separam, apenas marcam novos encontros. Escrever sobre viagens, é pois a minha maneira de marcar novos encontros.

Para terminar, deixo algumas palavras de Gabo:

É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender a sua duração, pois a vida está nos olhos de quem sabe ver.
Gabriel Garcia Márquez, 1927-2014

:: Este texto é dedicado às avós Benvinda e Maria de Jesus ::