“A flor perfeita é algo raro. Podemos passar uma vida inteira à procura de uma, e não seria uma vida desperdiçada.”

Esta deixa do senhor feudal Katsumoto, personagem do filme “O Último Samurai”, ilustra a relação que os japoneses têm com a natureza, e com o desabrochar das flores de cerejeira (sakura) em particular. Não é apenas uma deixa poética inventada para um filme de Hollywood. No Japão, durante a época das cerejeiras em flor (que vai de finais de Março a meados de Maio, dependendo da região), é algo que é realmente possível de verificar.

Hirosaki é uma pacata cidade da província de Aomori, no extremo norte da ilha de Honshu, a maior do arquipélago japonês. Não fica muito longe do mar interior que separa esta ilha da ilha de Hokkaido, mais a norte. Nunca tinha ouvido falar deste lugar, até ter aparecido na minha pesquisa como um dos melhores locais do Japão para experimentar a época das flores de cerejeira, conhecida no Japão por Hanami (expressão que literalmente significa “ver flores”).

casal japonês a apreciar uma cerejeira em florQuando chegamos de comboio, vemos realmente algumas cerejeiras em flor, mas nada mais. Entramos no autocarro que nos leva ao castelo de Hirosaki, e assim que nos aproximamos da paragem, ficamos de queixo caído. O castelo esconde-se num parque cuja entrada está repleta de árvores em flor, completamente cobertas de rebentos brancos e cor-de-rosa. É como se uma tempestade de neve se tivesse abatido sobre a cidade, mas os flocos tivessem teimosamente decidido permanecer nos ramos das árvores. Ao entrar no parque maravilhamo-nos com as várias espécies de árvores em flor. Algumas têm ramos que caem como se fossem salgueiros-chorões, outras formam túneis em largas avenidas. Algumas flores são completamente brancas, outras têm um suave tom cor-de-rosa de aguarela.

Ao nosso redor as pessoas passeiam aproveitando o espetáculo que a natureza lhes oferece. Casais passeiam de mão dada, miúdos e adultos pedalam em bicicletas pelos túneis formados pelos ramos. Alguns apreciam a leitura de um bom livro num banco, outros remam com pequenos barcos nos vários lagos e canais do parque. Debaixo de algumas árvores pessoas colocam oleados para fazerem piqueniques. Aprendi mais tarde que as festas debaixo das cerejeiras são uma tradição das empresas japonesas: os novatos têm a responsabilidade de levar os oleados, e de ficarem a guardar o melhor lugar até ao dia seguinte, quando os empregados mais seniores se juntam à festa.

raízes da árvore mais antiga do parque de Hirosaki, no JapãoVamos caminhando devagar até ao centro do parque, que é o próprio Castelo de Hirosaki. Este castelo do período Edo (1611), construído pelo clã Tsugaru, é um edifício branco de três andares, cercado por um fosso cheio de água e pétalas de cerejeira. A atravessar este fosso está uma ponte vermelha, cheia de turistas que esperam pacientemente a sua vez para se fotografarem, enquadrados pelo edifício histórico cercado pelas árvores em flor. Com exceção dos turistas de cameras e tablets em punho, este é sem dúvida o tipo de paisagem que imaginava quando lia os mitos e lendas medievais japonesas.

À medida que a tarde soalheira dá lugar à noite, um burburinho começa a tomar conta do parque. Várias pequenas bancas começam a abrir. Umas com comida: massa, doces, espetadas, e até castanhas assadas num engenho estranho que de vez em quando liberta uma nuvem de vapor. Outras bancas têm jogos e brinquedos para as crianças. Algumas mostram danças tradicionais japonesas. As pessoas que faziam piqueniques nos oleados debaixo das árvores, pegam em tambores e flautas de bambu, e começam a tocar música tradicional. Algumas partes do parque parecem mais apinhadas que uma avenida de Tóquio. É uma feira medieval dos tempos modernos.

O fascínio dos japoneses com as flores de cerejeira pode ser explicado pela sua crença na vida como sendo algo efémero. Tal como o nosso tempo neste mundo é limitado, também as flores de cerejeira nascem, chegam ao pináculo da sua beleza, para gradualmente se desvanecerem. Tal não é necessariamente bom nem mau, é apenas a realidade da natureza. O Hanami torna-se, assim, numa apreciação simbólica da vida na sua fase mais bela. À medida que caminhamos pelo parque de noite, ao ver todas as caras felizes das famílias a divertirem-se, essa é precisamente a sensação que fica: que fazemos parte de uma enorme celebração da vida.

Se o lorde samurai Matsumoto tivesse visitado o castelo de Hirosaki, aposto que não precisaria de uma vida inteira para encontrar uma flor perfeita. E ainda tinha aproveitado para se divertir imenso.

alameda com bicicletas e cerejeiras em flor