Quem conhece um pouco de África sabe da existência de diferentes “áfricas”. Há a África do Norte, a Central, a lusófona, a francófona e mais uma série de outras variantes que acabam por definir a forma de estar do povo e a nossa viagem africana. Após muito ponderar posso afirmar com convicção que para um português, seja ele um viajante destemido à procura de aventura ou um viajante em busca do resort de luxo, Moçambique é provavelmente a melhor porta de entrada em África e uma das suas últimas fronteiras. A sua vasta área inclui diferentes tipos de território, comodidades, luxos e a falta deles. Independentemente do seu carácter ou da sua bolsa, este país tem muito para lhe oferecer, e o maior problema que eventualmente enfrentará será a falta de tempo. Moçambique é imenso…

A melhor forma de viajar em Moçambique é definitivamente de jipe: longe se ser uma opção barata, é porém a única que lhe permite viajar ao seu próprio ritmo. Evite porém a época das chuvas a fim de ter mais estradas transitáveis. Note-se que o volante e a circulação são do lado oposto ao praticado em Portugal. Outra opção são voos domésticos e táxis colectivos, os chamados “chapas”. Tendo viajado de todas estas formas, garanto que todas elas têm o seu charme africano. Talvez até nenhuma seja melhor que a outra, tudo depende de si. Na via aérea há aviões frequentemente cancelados ou que se atrasam sistematicamente, muitas vezes com objectos desaparecidos das malas. Nos chapas sentimos o palpitar do coração de África, como em muito poucos outros lugares. Uma viagem de chapa é sinónimo de viajar sempre muito aconchegado naquelas carrinhas de nove lugares, que na versão moçambicana podem chegar aos dezoito passageiros, ou mais, se houver crianças pelo meio. Note-se que os bancos são transformados no óptimo princípio da engenharia automobilística: less is more.

Menos seguros, os chapas de caixa aberta permitem fazer subir a adrenalina mas como resultado de se sentar sobre o taipal, há sempre a possibilidade em um passageiro saltar borda fora, sobretudo caso haja um grande buraco na estrada para o condutor se despistar. Desde essa visão que prefiro apesar de tudo ir entre taipais, sentado na minha mochila sobre sacos de peixe seco, mesmo quando chegámos aos cinquenta passageiros. Sim! C-i-n-q-u-e-n-t-a! Mexer por ali o pé é uma atitude quase hercúlea portanto já sabe, para um maior conforto tente garantir os lugares da frente junto ao condutor, nem que seja com uns meticais a mais.

Apesar de tudo, assim se conhece Moçambique, ou pelo menos, parte do povo moçambicano. Sentado confortavelmente no seu jipe, que aluga com ou sem condutor, não vai saber porque se deslocam aquelas pessoas amontoadas em chapas, que negócios fazem, que métodos de subsistência praticam, como é a aldeia deles, histórias de guerra, vai sim ter outro problema: a procura de combustível. Entre mercados onde se pode ler “gasolina da boa” e rapazes sentados à borda da estrada que desaparecem entre o capim para logo de seguida lhe trazerem 20l do precioso líquido, tudo é possível. Moçambique espera-o.

Depois desta introdução deixe-me pôr os pontos nos iis: não se assuste porque não tem forçosamente de passar por isto. Mas querendo já sabe, é muito fácil! E agora que está mentalizado para o pior, prepare-se para a entrada no paraíso…

Maputo: capital de Moçambique. Noite imparável. Desde os Caminhos de Ferro, o Coconuts ou sítios bem mais alternativos, não falta por onde escolher: o Gil Vicente, África, os bares da Feira Popular ou a rua onde fica o Luso. Já durante o dia: Xipamanine – o mercado onde se vende um pouco de tudo –, o Mercado do Peixe, onde compra o peixe e marisco que quer comer e leva para um restaurante que o confecciona, a Baixa com a sua arquitectura dos anos 50 e 60 que o pode levar numa viagem ao passado… É a vida de uma cidade onde, os portugueses que lá vivem, frequentemente dizem: “No primeiro mês estranha-se, depois entranha-se… no final do segundo mês, é a sensação de que esta cidade nos pertence.” A língua portuguesa e os vestígios bem perceptíveis da nossa cultura serão com certeza factores indissociáveis desta sensação.

Depois da agitada Maputo siga pela EN1 rumo ao norte. Em breve encontrará excelentes praias ao longo da costa e na Reserva Natural do Arquipélago de Bazaruto. Aventure-se por uma ou outra picada – estrada de terra batida – pois normalmente as surpresas são gratificantes. Nesta província de Inhambane não faltam estruturas orientadas para o turismo de qualidade assim como paraísos para mergulhadores com águas de azul cristal.

Mais a norte e para o interior, passe na Reserva Natural da Gorongosa. Apesar de não ter tantos animais como o Kruger National Park na África do Sul – pois os animais foram dizimados durante os anos de guerra e só agora começam lentamente a aumentar de número –, podemos ainda sentir o que é a verdadeira selva. Há noite, mesmo à porta do seu confortável bungalow, ou tenda se preferir, o concerto de ruídos animalescos é absolutamente divinal. Uma visita ao Monte Gorongosa para experienciar o que é a floresta tropical e banhar-se em imponentes cascatas também se recomenda.

Terminal de Chapas em Niassa
Visão clássica num terminal de chapas, Niassa
Paisagem na região de Cabo Delgado
Vista clássica junto à estrada, Cabo Delgado (foto tirada de chapa com caixa aberta)

Se prefere a pescaria aos ambientes do Tarzan, o Lago de Cahora Bassa criado pela barragem do mesmo nome – 5ª maior do mundo – tem junto das suas margens alguns lodges preparados e orientados sobretudo para a arte da pesca. Nessa região perto da barragem, província de Téte, ao aventurar-se por estradas pouco frequentadas, se parar o carro para pedir indicações, não se admire das crianças fugirem de si. Os brancos aqui são coisa rara e há uma herança de conotações que a guerra colonial deixou e que está ainda bem presente nos locais mais remotos.

Deixando o interior do país para o outro extremo encontramos a Ilha de Moçambique, desde 1991 Património Mundial da Humanidade segundo a UNESCO. A expressão “parado no tempo” ganha aqui todo o sentido. Ideal para uns dias de descanso e reflexão, a Ilha convida a andar a pé pelos seus 3 km de comprimento e 200 a 400 m de largura. De um lado o “povo”, concentrado no que poderíamos chamar de “cidade antiga”, em casas de modesta construção. Do outro lado, a “Cidade de Pedra e Cal” com as suas imponentes construções, testemunhas e legado de um colonialismo lucrativo. Entre edifícios em avançado estado de degradação e outros em excelente reabilitação, paira no ar algo de cidade fantasma. É também nesta zona onde podemos encontrar os edifícios administrativos, as guest houses geridas por europeus de gosto irrepreensível ou os restaurantes capazes de satisfazer o maior dos gourmet: nunca esquecerei uma maravilhosa matapa de algas! Mesmo para o viajante com um baixo orçamento, a Ilha permite e fomenta um pouco de auto-mimo altamente recompensador. Lembro-me de um almoço fabuloso num hotel com vista para o mar: um local paradisíaco, com vista única e que me deixou extasiado. O único senão (ou não) foi ter apenas o empregado de mesa com quem partilhar aquele momento inesquecível.