Fui até ao parque que rodeia toda a fortaleza, apreciar a natureza. As árvores que no alto da sua sabedoria testemunharam os últimos anos agitados, que se mantiveram imóveis, corajosas, presenciando a história desta bela cidade.

No mercado Zeleni Venac, ando de banca em banca, compro umas cerejas que vou depenicando, enquanto me deslumbro com as cores das bancas geometricamente ordenadas. O aroma da fruta, e dos legumes acabados de colher desperta-me os sentidos, ainda meio adormecidos pelos cedo da manhã. Existe uma espécie de gritaria ordenada em que cada vendedor tenta chamar a atenção para a sua banca, pela fruta ser mais fresca, maior ou mais brilhante. Nas bancas de artesanato o ambiente apresenta-se mais calmo, os vendedores esboçam quase sempre um sorriso nos lábios, fazendo-me sentir que estou no mercado ao lado da minha casa.

Pela rua pedonal Príncipe Mikhail, sigo até à Praça da República em pleno centro histórico, um dos lugares mais belos da cidade. O ambiente é muito alegre e movimentado, com muitos jovens a emprestarem a sua vitalidade às calçadas. As ruas são ladeadas por casas comerciais, que se misturam entre edifícios senhoriais.

A praça está rodeada por edifícios muito distintos do século XIX, dos quais se destacam o Teatro Nacional e o Museu Nacional. No centro, uma imponente estátua do príncipe Mihailo Obrenovic III, que lá do alto observa tudo o que por ali se passa, desde o pedinte que pede umas moedas, à senhora que com os seus saltos altos segue em passo apressado para algum encontro, ou os casais de jovens namorados que se declaram pela primeira vez.

De rua em rua, sacio-me com arquitectura das casas bem conservadas que se mostram orgulhosas, expondo a sua beleza aos olhos de quem as queira admirar.

catedral de arquitectura ortodoxa com revestimento banco, dedicada a São Sava, em belgrado
Catedral ortodoxa de São Sava
© George M. Groutas ( CC BY 2.0 )

Os Sérvios são maioritariamente Ortodoxos, por isso não podia deixar de visitar a Catedral Ortodoxa Saborna Crkva, construída em 1728 sobre a igreja do Arcanjo São Miguel.

O calor aperta. Já passa das três da tarde. Aproveito para refrescar e beber uma cerveja numa das muitas esplanadas que se espalham pela cidade, sempre repletas de gente alegre e que hoje pode gozar de uma paz inacessível, há pouco tempo atrás.

Sigo rumo ao sul em direcção ao bairro Dedinje, para ver o Palácio Branco, antiga residência da família Milosevic. O palácio é luxuoso, com várias salas de chá, onde o presidente recebia os chefes de estado de outros países.

O dia cai. De regresso a Belgrado chego já o sol se tinha posto. Junto ao rio deambulo, gozando as minhas últimas horas no coração da ex-Jugoslávia. Sinto o batimento mais forte por debaixo dos meus pés, como se fortalecesse de dia para dia, depois de uma convalescença demorada.

Contagiado por este batimento cardíaco, janto junto ao rio. A noite está serena, contrariando a história recente de uma das cidades mais antigas da Europa.

Sentado à mesa, a brisa agradável bate-me ao de leve no rosto, segredando-me ao ouvido, como se quisesse seduzir-me. Penso na magia da cidade, no encanto das ruas, o carisma dos rios, na esperança das pessoas.

Como é possível não me sentir seduzido?

Escondo os meus sentimentos, e deixo a brisa continuar a seduzir-me durante todo o jantar. Faz-me subir o ego.

Ainda não é demasiado tarde, de regresso ao hotel decido despedir-me do meu amigo Milanovic.

Vou até sua “casa”. O parque não é muito iluminado, e às onze horas da noite impõe um certo respeito, mas não seria justo partir sem pelo menos dizer um adeus.

Dirijo-me ao banco onde dorme.

Está vazio.

Nem Milanovic, nem cobertores, nem a mochila, nem o prato, copo e o pequeno tacho que o costuma acompanhar.

Olho em redor e não vejo ninguém.

Quem sabe Milanovic tenha regressado ao seu verdadeiro lar, para junto da sua família.