A cidade de Machu Picchu, no Peru, é uma Sete Maravilhas do mundo moderno. Estas classificações são dúbias e subjetivas, pelo que valem o que valem. No caso de Machu Picchu… são pura verdade. Estamos perante uma das maravilhas que a humanidade teve engenho e criatividade para construir. Uma humanidade representada aqui pelo povo Quechua, ou Inca, como são vulgarmente conhecidos. Vindos da Isla del Sol, na Bolívia, os primeiros Quechua foram enviados para a zona dos Andes para ali frutificarem e prosperarem. E assim fizeram: construíram cidades, caminhos, desenvolveram a agricultura e outras artes, sempre com uma base espiritual muito forte, alicerçada em crenças no deus Sol. Neste sentido, construíram uma cidade que se tornou o seu centro espiritual. Machu Picchu, construída com a forma de um condor, era o local para onde reis e povo peregrinavam para as suas orações. Um pouco à semelhança dos locais de peregrinação que existem no mundo contemporâneo, havia trilhos que levavam à cidadela, trilhos que resistiram às agruras do tempo e às vicissitudes da guerra, graças a uma vegetação dominante que devora tudo o que se tente construir no seu caminho, e ao engenho do povo Inca que conseguiu esconder dos conquistadores espanhóis esta joia que é Machu Picchu. Quando estavam prestes a serem conquistados, os Incas destruíram os trilhos que levavam a Machu Picchu nos primeiros quilómetros, e deixaram que a natureza encobrisse o resto.

Em 1911, Harold Bingham liderou uma expedição que descobriu, quase por acaso, as ruínas desta cidadela, que permaneceu séculos debaixo da selva, a salvo de saqueadores. O explorador inglês procurava a cidade de Vilcabamba, ainda hoje por descobrir. Ainda por terminar, pois as construções foram interrompidas devido ao avanço espanhol, a cidade mantém a forma e tamanho originais, sendo possível vislumbrar, com alguma precisão, a forma do condor.

Para lá chegar, existem duas opções. Ou vamos de comboio até Aguas Calientes e depois subimos de autocarro, ou vamos a pé. Se são pessoas muito idosas ou com alguma deficiência física que vos impossibilita a deslocação, esta é a melhor opção. Para todos os outros, acho que nem deveria ser permitida a entrada a quem não fizesse o caminho a pé… brincadeira, claro, mas que serve para mostrar que a melhor entrada em Machu Picchu é pelo Caminho Inca, o caminho real, que era feito pelo Rei, que foi recuperado e que hoje em dia é percorrido diariamente por muitos caminhantes, à procura da viagem de uma vida.

Tudo começa no Km 82, na vila de Piscacucho, que fica a 2750mt de altitude. Parece um destino tipo Área 51, é verdade, mas é neste km que tem início o Caminho Inca que é feito pelos viajantes. O Caminho não começaria ali, até porque era um Caminho que se fazia a partir das cidades existentes no Vale Sagrado: Cusco, Pisaq, Ollaytaytambo, Chincheros, apenas para nomear algumas. Existiam três caminhos diferentes que levavam a Machu Picchu, o grande centro espiritual dos Quechua: o caminho que o Inca (é a palavra em Quechua que significa rei) e o seu séquito percorria, o caminho que os chaskis, os mensageiros e carregadores, faziam para entregar mensagens e levar encomendas, e o caminho que o resto do povo fazia. Em virtude da largura e das características do terreno, é possível saber hoje que o Caminho que é trilhado foi outrora o Real Caminho Inca, Qapacñan em Quechua.

subida de pessoas ao dead womans pass com montanha salkantay ao fundo
Na subida para Dead Woman’s Pass, podemos ver ao fundo a montanha Salkantay.
acampamento com tenda sob as estrelas
Acampar sob as estrelas é um dos bónus do Caminho Inca.

É preciso apresentar o passaporte para iniciar o Caminho, para que seja validada esta viagem épica, e para que as autoridades saibam a identificação de quem está no Caminho, em caso de acidente. Apenas 500 pessoas podem percorrer o Caminho Inca cada dia. Se contabilizarmos o pessoal de apoio aos acampamentos dos grupos, se calhar não mais de 150 caminhantes têm a honra de, em cada dia, percorrerem este caminho, razão pela qual as inscrições devem ser feitas com muitos meses de antecedência.

Durante o Caminho Inca não há postos de apoio, estradas secundárias, lojas ou infra-estruturas. Isto significa que tudo o que precisamos tem de ser levado connosco, e que não há forma de sair dali sem ser a pé ou de helicóptero, se houver algum azar. E mesmo assim o helicóptero não chega a todos os sítios, conforme percebemos mais tarde pelas histórias que os guias partilharam connosco. Por isso, quando se começa, é para acabar, ou voltar para trás pelo mesmo caminho. A ponte sobre o rio Urubamba, que corre no Vale Sagrado, e uma primeira subida com uma inclinação de 10 a 15%, dão logo o mote à dureza do Caminho. Mas é cedo para que tenhamos noção do cansaço, pelo que subimos com toda a vontade. Existem vários acampamentos no Caminho, e a decisão do local de dormida depende dos objetivos do grupo e do número de dias em que é feita a caminhada. No nosso caso, que iríamos fazer em 3 dias, o primeiro ponto de descanso era Wayllabamba, a 3000mt de altitude.