Defronte da calle de Santa Maria ouvem-se os ecos dos grandes slogans comunistas. Señores imperialistas no les tenemos absolutamente ningun medo. Entre a Havana Vieja, das muralhas de castelos espanhóis convertidos em atracção turística, dos retratos do francês Vernay alusivos à chegada do descobridor Cristóbal Colón, da Bodeguita del Médio, bar-restaurante celebrizado por Hemingway nos anos 50, e a Havana pós-colonial, apinhada de bairros sociais decrépitos e indigentes, há todo um abismo.

O manto do realismo tornado mágico pela literatura é apenas glorioso nas páginas de “Três Tristes Tigres”, de Guillermo Cabrera Infante ou “Paradiso”, de José Lezama Lima. A juventude está mais rebelde do que nunca e recusa-se a acatar a farsa dos Castro. «Enquanto houver barbudos e obstinação revolucionária (ou “Um revolucionário nunca se reforma”, como disse Fidel), não haverá “liberdade”, protesta-me um engenheiro civil e arrumador de cadeiras de praia em Varadero, a península balnear e remanso de luxo do turismo ocidental onde os cubanos são apenas criados.

Pode ver-se Varadero de um ângulo mais favorável ao estrangeiro: uma imensa faixa de praia e de cayos (ilhéus), a melhor do país (e das Caraíbas), decorada de luxuosos hotéis, spas e marinas, paraíso do mergulho e da resistência à cruzada anti-tabágica que invade o mundo e onde é possível fumar sem que ninguém estorve a paz de um puro. Varadero é dos poucos lugares de Cuba que não respira a asfixia do embargo. O antigo bordel balnear dos milionários americanos dos anos 50 é hoje um respeitável cantão de férias sobretudo para espanhóis, alemães, canadianos, os principais investidores no país.

Vozes críticas dizem que entre estes e os mafiosos Meyer Lansky e Lucky Luciano venha Lucífer e escolha. E recordam a época de Baptista e do conluio mafioso quando Cuba era a Montecarlo das Américas, convertida no remendo tropical de Las Vegas. Um império de casinos e hotéis que ia de Havana a Varadero numa extensão de 200 quilómetros. Negócios de dinheiro sujo que tinham o beneplácito das grandes fortunas americanas de então que geriam uma rede de licores, droga, hotéis, salas de jogo e pornógrafos. Ficou famosa a expressão do escritor cubano Jesus Díaz sobre a riqueza da ilha: “Cuba era o maior produtor de cus por metro quadrado do Planeta. (…) Na divisão internacional do trabalho, éramos, por definição, o país da fornicação”.

A revolução do Primeiro de Janeiro de 1959 pôs fim ao prostíbulo dos EUA, mas desde que acabou a mesada russa, nos anos 80, as cubanas doutoradas voltaram a prostituir-se em troca de roupa ou comida para os filhos. E ninguém pode esconder do mundo as prisões e torturas de Guantánamo, onde a música da rapariguinha de Guantanamera é outra. A face negra de uma ilha abençoada pelo sol, o som e o sonho da utopia.