PContinuas a viajar de mochila às costas numa atitude backpacker?

RSim, mas com alguns melhoramentos. Por exemplo, já é muito raro ficar em dormitórios. Mas continuo a preferir os hostels e a socialização que permitem, em vez dos hotéis. Inventaram agora a expressão flashpacker, uma espécie de backpacker tecnológico – acho que é isso. Gosto de ter o “escritório” montado num sítio boa onda, sem luxos mas com gente porreira.

PNo teu entendimento pessoal, como diferencias um viajante de um turista?

RPouco me importam os rótulos. Viajar é um acto individual e, por isso, cada um viaja como entender. Eu tanto respeito quem faz África à boleia como quem vai de férias uma semana para um resort em Cancun. Mas se quiseres diferenças, o turista viaja para descansar, o viajante viaja para conhecer; o turista não gosta de imprevistos, o viajante vive com eles e adapta-se facilmente: o turista vê, o viajante vive. É uma questão de atitude.

PHá por aí um conjunto de pseudo-viajantes que vivem obcecados com a ideia de “coleccionar” países. És crítico desta perseguição meio tresloucada?

RMais uma vez, cada um viaja como entender. Mas uma coisa é certa: quem passa 3 ou 4 dias em Lisboa pode dizer que esteve em Portugal, mas não pode dizer que conhece Portugal, certo? O mesmo aplica-se a quase todos os países e territórios do mundo (ok, para o Vaticano nem precisas de tanto tempo (risos)).

PAlguma vez foi tua intenção “coleccionar” países? Tens ideia de quantos já visitastes?

RQuero conhecer boa parte do mundo, mas não tenho intenções coleccionistas. Gosto de viver os lugares, não apenas ver. Se, com o decorrer da vida chegar a conhecer todos os países do mundo, óptimo, mas não faço disso uma obsessão, senão não tinha ido, por exemplo, 8 ou 9 vezes ao Brasil, a estados distinto, porque isso seria “perder tempo”. E a Europa, por exemplo, uma boa parte deles estão tão perto e nunca os visitei. Mas olha, já me fizeram tantas vezes essa pergunta do número de países que um dia fui contá-los e ainda não tinha chegado aos 100. Acho que eram 80 e tais.

PDepois de tantas viagens, pessoas e experiências, o que é que ainda te consegue surpreender?

RA generosidade das pessoas.

PHá alguma viagem que nunca fizeste e que seguramente nunca farás?

Filipe Morato Gomes com viajantes no Irão
Filipe Morato Gomes na pele de Tour Leader, liderando um pequeno grupo de viajantes pelo Irão

RAcho que não.

PE qual é a viagem que não poderás deixar de fazer um dia?

RButão.

PQual foi a coisa mais esquisita e difícil de comer que já encontraste?

ROvos “podres”, em Macau. Morcego, no Laos. E já provei testículos de carneiro no Irão e isso sim, foi esquisito. A verdade é que até sabiam bem, pena terem uma textura esponjosa (risos). Mas olha, por acaso a gastronomia é uma das coisas que eu mais valorizo em viagem. Gosto de provar comidas novas, e só não o faço mais vezes quando os destinos são caros e eu posso cozinhar.

PNa sequência das muitas experiências gastronómicas, alguma vez estiveste verdadeiramente doente?

RAté agora, nada de grave. O que não quer dizer que amanhã não vá parar ao hospital aqui no Utah (risos).

PAvançando um pouco para o que vem na consequência das viagens, conta-nos como surgiu a Alma de Viajante. O projecto de jornalismo de viagens que manténs online há uns bons anos?

RInicialmente, Alma de Viajante foi o nome que dei ao site de viagens onde fui publicando online as minhas primeiras reportagens publicadas em revistas. Depois usei o mesmo endereço para o blog da minha primeira volta ao mundo. Após o meu regresso, o projecto foi crescendo, crescendo, fui acrescentando novas reportagens, noticiário sobre o mundo das viagens, depois fui convidando outros autores… e hoje é o que é.

PNunca te passou pela cabeça alargar o projecto e avançar para uma edição impressa, destinada à venda em banca?

RNunca. Sabes, eu gosto da liberdade de ser freelance e acho que ter uma revista me ia atirar (ainda mais) para o escritório. Além de que, no nosso mercado, estaria condenado ao fracasso (risos) – o futuro do jornalismo de viagens é online, não em papel.

PCom revistas a fechar e equipas editoriais reduzidas ao mínimo, como vês actualmente o que se faz ao nível do jornalismo de viagens em Portugal?

RHá gente a fazer excelentes reportagens, mas o que se passa com as revistas em Portugal é um pouco triste. Há cada vez menos revistas, e a maior parte das que se mantém vivas foram perdendo qualidade. Preferem aquela capa típica da menina de bikini com um cocktail na mão. É pena. Queres um exemplo? Lembro-me de há uns tempos uma revista de referência recusar uma reportagem do Níger de alguém muito experiente, com a justificação de que tudo era “muito pobre”. Isto apesar do Níger ser novidade editorial absoluta.

PA escrita apareceu naturalmente na tua vida ou é uma das consequências das viagens?

RDesde a primária que escrevo, apesar de ter depois optado por seguir formação na área das ciência exactas. Na verdade, foi uma professora de português que tive no 10º ano que empurrou para o mundo das palavras. O resto foi natural, além de ser uma forma de ajudar a financiar as viagens.

PNunca pensaste enveredar por outros caminhos e estilos? Escrever um romance, por exemplo?

RNunca. Acho que não tenho talento para tal.