PAlguma vez foi tua intenção “coleccionar” países? Tens ideia de quantos já visitaste?

RSei em quantos já estive, porque gosto de números; e além disso há uma aplicação no facebook que me faz o favor de ir actualizando as contas. Penso que toda a gente que gosta de viajar, sabe mais ou menos a quantos foi, há sempre algum momento na vida em que faz uma contagem. Mas não é importante para mim “coleccionar” países, nem por sombras. Se assim fosse, não repetia destinos a quantidade de vezes que repito. Gosto muito de voltar aos mesmos lugares, aprofundar experiências e relações, não partir do zero. Sou um curioso por natureza, e isso implica que, quando deixo um país, na minha cabeça fica sempre alguma coisa por fazer, e que deixo “para a próxima”. Contudo, no ano passado lancei um desafio a mim próprio. Como gosto de números, fui dar uma volta aos “meus” e percebi que entrei no meu 50º país quando fiz 35 anos, e que já viajava há 15. Feitas as contas… daí a 15 anos completaria 50 anos – e desafiei-me a conhecer mais 50 países até então. Para manter o ritmo 😉 mas como disse, é um desafio. Não é uma meta. Não vou a lado nenhum só para carimbar o passaporte, só porque sim.

PContinuas a viajar de mochila às costas ou já te rendeste a algumas inovações, nomeadamente na utilização de trolleys e afins?

RMochila.

PIdentificas-te com o conceito backpacker? Achas que pode ser uma forma diferente de viajar?

RO conceito é mais relativo do que se pensa – mas sim, identifico-me com a ideia.

PEm viagem, o que é que não pode faltar na tua bagagem?

RDisponibilidade.

PConsegues isolar o episódio ou situação que positivamente mais marcou as tuas viagens?

RÉ muito difícil isolar um episódio. Há pessoas, encontros, conversas, eventos, surpresas…

PE já houve percalços ou episódios negativos?

RInfelizmente, sim.

PPor opção própria, há muito que deixaste Portugal para te dedicares à tua errância pela Ásia e só voltares pontualmente. O país que em tempos inspirou descobridores, deixou de te atrair e inspirar?

RNem pensar. O “nosso rectângulo” continua a atrair-me, sempre, por todas as razões óbvias – nem que seja porque sou de Sintra. Como poderia não me sentir inspirado por Sintra? E os amigos, a família, toda a paisagem humana (por mais cinzenta que a crise a pinte). Impossível não me sentir atraído pelo “meu cantinho”. Ainda na semana passada estava num restaurante em Luang Prabang, que é a “minha” Sintra da Ásia, quando começo a ouvir Cesária Évora a cantar “Sôdade”… que aperto que me deu!

POlhando ao facto de só voltares a Portugal muito esporadicamente, procuras estar informado sobre o que se passa no país de te viu crescer?

RA internet é uma ferramenta maravilhosa, não é?

PColocando-te exclusivamente na posição de quem olha de fora, como vês da realidade actual do nosso país?

RTemos mesmo de falar sobre isso? É realmente um tema muito triste, frustrante, revoltante – e complicado de discutir numa só resposta a uma só pergunta. De qualquer forma, acredito que de certa forma sou um previlegiado – porque ainda não me senti afectado. E agradeço todos os dias o facto de ter trabalho, de ser pago a tempo, e de não ter âncoras que me prendam financeiramente a nada. Mas é um fantasma sempre presente, a pairar.

Jorge Vassalo com monge em Luang Prabang
À conversa com um monge em Luang Prabang.

PExiste alguma viagem que não fizeste e que nunca irás fazer?

RSim: as viagens dos outros. Sofro de “inveja de viajante” e por muito bem que esteja em algum lado, quando oiço alguém dizer que vai fazer “isto ou aquilo”, fico com uma vontade imensa de também ir. Mas cada pessoa vive as suas viagens à sua maneira – e eu nunca vou fazer as viagens dos outros. Posso ir atrás, posso fazer os mesmos destinos, mas cada viagem é uma viagem. Quanto a destinos – suponho que a pergunta fosse mais orientada nesse sentido – nunca digas nunca.

PE qual não poderás deixar de fazer um dia?

RA próxima. Que, neste caso muito concreto, é a América do Sul.

PQuem já acompanha o teu percurso há algum tempo, sabe da tua paixão pela Índia. O que é que este país tem para ti de tão especial?

RA Índia é um planeta à parte, é um desafio permanente aos cinco sentidos e à percepção que temos de nós mesmos, dos outros, das coisas à nossa volta, das relações entre essas coisas – por isso marca tanta gente que lá vai, e também afasta outros. No meu caso, para além de tudo isto é também o acumular de experiências, peripécias e encontros, são os amigos que fiz ao longo dos anos, as histórias de vida que se cruzaram de tal forma que já é impossível desembaraçar.

PHá por lá alguma coisa que não possa ser encontrada em mais nenhuma parte do mundo?

RHá uma expressão indiana que diz tudo: saab kuch milega. Literalmente quer dizer “tu vais conseguir tudo”, e é normalmente traduzida por “tudo é possível”. O que há na Índia que não pode ser encontrado… eu não conheço o mundo todo, mas esta infinidade de insólitos, este horizonte ao mesmo tempo tão limitado e tão amplo, esta coisa de se viver tempos diferentes ao mesmo tempo… goste-se ou não, é um lugar único.