O riquexó de três rodas, percorria as ruas da cidade a toda a velocidade. Tao Lee pedalava com veemência, ultrapassando vários outros que circulavam com turistas, a uma velocidade bem mais moderada.

“É o mais rápido da cidade”, dizia com um sorriso nos lábios, da boca desdentada.

”Eu não tenho pressa”, retribuí.

Tao Lee aparentava ter cinquenta anos, apesar de ter apenas trinta e sete. Tinha um ar simpático, e um semblante característico quando se ria, uma vez que tinha dente sim, dente não, tanto em cima como em baixo, e respectivamente desencontrados. Se em cima tinha um dente, por baixo desse não tinha nenhum, e assim harmoniosamente como se fossem as teclas brancas e pretas de um piano.

O seu riquexó era o seu orgulho. Cuidadosamente restaurado, pintado de tantas cores que mais parecia um arco-íris. Ou talvez dois arco-íris juntos, tantas foram as tintas diferentes utilizadas, no pouco espaço que havia para pintar.

Além de ser o mais rápido, tinha música. Um pequeno rádio, atado com uma corda ao volante fazia as suas delícias, tornando a viagem quase festiva. Ligava-o, e quando passava pelos outros riquexós, tentava chamar a atenção para si.

Enquanto o seu corpo se movia ao ritmo da música, olhava de soslaio para trás, sorria dente sim dente não, e piscava o olho, como que a dizer.

“Escolheste o melhor riquexó da cidade”.

Quando o tomei, já a noite caía. Não lhe pedi para me levar a qualquer lugar específico, nem sequer me preocupei em combinar preço. Apenas queria perder-me pela cidade, e deixar-me surpreender.

O trânsito era oriental. Parados junto de uma passagem de nível, enquanto esperávamos que o comboio passasse, esperavam também centenas de riquexós, tuk-tuks e bicicletas.

Enquanto aguardavam, todos falavam com todos, numa desordem total. Nunca tinha visto nada assim.

Como é possível colocarem tanto fervor em tudo o que fazem?

Quando dei por mim, estava sentado numa esplanada ao ar livre, em que a luz da rua deambulava entre o escuro e o lusco-fusco.

Apeia-se do riquexó, e por detrás do sorriso constate, disse-me.

“Rói, rói”, simulando com os dedos como se quisesse comer.

Deduzi que o jantar seria ali. Seguramente não teria escolhido este local, mas quem quis ser surpreendido fui eu, não me podia queixar.

Sentado numa mesa, via o cozinheiro confeccionar em grandes frigideiras uma espécie de legumes salteados, muito parecidos com os espinafres. Mandava ao ar, dava uma volta sobre si próprio, para os apanhar novamente na frigideira, que manuseava como uma mestria digna de se ver.

Subiu uma escada, à altura de um primeiro andar, voltou-se de costas e mandou pelo ar os legumes acabados de cozinhar.

Cá em baixo, na expectativa para ver onde iam cair estava o empregado de mesa. Passo para a direita, passo para a esquerda, lá conseguiu que os legumes se estatelassem no prato, em vez de caírem no chão.

Fiquei aliviado, porque era o meu jantar que vinha dos céus, e a com fome que tinha seria doloroso ter de esperar mais tempo.

No final do jantar, fomos até ao mercado nocturno. Este mercado é uma das principais atracções da cidade. Por entre lojas de decoração, sedas e algodões misturam-se lojas de artesanato bares e esplanadas. O ambiente é fervilhante e festivo.

Convidei Tao Lee para beber uma Singha, cerveja local em homenagem ao primeiro monarca conhecido, que reinou antes do século VII.

Os aperitivos que acompanhavam a cerveja, eram grilos e besouros fritos. A muito custo acabei por provar. Não recomendaria a nenhum amigo.

Mais um copo, e outro, seguido de outro. Enquanto continuavam a servir bebidas na zona dos bares, os comerciantes iam enrolando as roupas e as sedas, arrumando as bancas e despindo aos poucos as ruas, até ficarem completamente vazias.

De manhã bem cedo, só os copos da noite anterior incomodam. Ainda é possível sentir o fresco da manhã no rosto, mas o sol ainda não descobriu.

Os monges já vagueiam pelas ruas, à procura de oferendas. Apesar das suas caminhadas discretas, destacam-se por detrás dos seus trajes laranja, dando um toque de cor a uma cidade ainda não iluminada pelo sol.

No mercado já se negoceia, locais como este são uma importante referência da sociedade Tailandesa.

Os donos dos restaurantes procuram os legumes e as frutas mais frescas. Os peixes pescados durante a noite, estão expostos exemplarmente sobre as bancas. Os cogumelos pululam por todo o lado, enquanto sapos tentam saltar dos alguidares cobertos por uma rede.

Tudo parece demasiado fresco ao meus olhos, contrastando com o dia que vai começando a aquecer.

Parto para a aldeia de Sop Ruak, para o vértice do Triângulo Dourado. Neste local é possível ver a fronteira natural entre a Tailândia, Birmânia e Laos, na junção de uma curva do rio Mekhong.