“Se virem um urso, a ultima reacção que deverão ter é fugir”, referia Rodan profissionalmente, perante o olhar atento de cerca de cinquenta caminhantes.

“O procedimento correcto é tentarem agarrar num pau, calmamente, e sem mostrar receio intimidá-lo correndo na sua direcção. Com toda a certeza, o urso evitará o confronto e fugirá”, concluiu.

Mediante a explicação do guarda do parque de Plitvice, que estava a ouvir atentamente, pensei.

“Será que alguém terá coragem de reagir assim, se tiver o azar de deparar-se com um urso pela frente? Eu não terei”.

Se pudesse tentaria evitá-los, para não sofrer surpresas indesejáveis.

Plitvice é um parque nacional numa zona de lagos, considerado património Universal da Unesco.

Esta beleza natural remonta há quatro mil anos, sendo composta por 16 lagos que se comunicam por 92 cascatas e quedas de água. Os lagos estendem-se entre “Mala Kapela” e “Pljesevica”, ao longo de 87 quilómetros. O lago mais alto é o “Prosec”. O de maior extensão e profundidade é o “Kozjak”. A cadeia de lagos é alimentada pelas águas dos rios “Bijela” e “Cma”.

Os ursos habitam em pequenas ilhas isoladas, onde os caminhantes não têm acesso. No entanto por vezes e na esperança de comida fácil, atravessam os lagos para se cruzarem com os caminhantes, e banquetearem-se com os seus piqueniques.

O parque é demasiado extenso para que possa ser visto na totalidade, existe inclusivamente um autocarro no formato de um comboio, com várias carruagens, que passa em determinados pontos do circuito, facilitando assim a possibilidade de percorrer outros trilhos mais distantes do ponto de partida.

A paisagem é deslumbrante, os lagos de águas transparentes quase fazem parecer que os barcos estão suspensos, deixando-me na dúvida onde começa a linha de água.

A exuberância da natureza atinge todo o seu esplendor, quando o verde da floresta luxuriante contrasta com o azul celeste do lago. Um contraste harmonioso, como se fosse uma tela cuidadosamente pincelada por um artista.

Algumas ilhotas são ligadas por pontes de madeira que rangem à nossa passagem. Parecem fazer parte integrante do cenário, como se ali estivessem desde sempre, criando a ideia de que tudo se conjuga, que tudo foi criado ao mesmo tempo, lagos, floresta, cascatas, pontes em madeira e os barcos que flutuam.

De olhos fechados, sinto a leve brisa que me toca ao de leve no rosto.

Inspiro e expiro, uma e outra vez.

O silêncio é absoluto, interrompido aqui e ali, pelo chilrear dos pássaros.

Será este o verdadeiro conceito de paraíso?

Sigo pelos trilhos, deixando-me invadir pelo bem-estar de presenciar um lugar assim. Como se a ilha fosse eu, rodeado de natureza por todos os lados.

Sinto a curiosidade de ver um urso de perto, mas ao mesmo tempo prefiro não ter de colocar a lição da manhã em prática. Faltar-me-ia a coragem. Espero ver um urso ao longe, com tantas ilhotas seria azar a mais, estarmos os dois ao mesmo tempo na mesma ilha.

É vulgar cruzarmo-nos com muita gente durante a caminhada. Existem vários circuitos, e por vezes formam-se pequenos grupos ocasionais que seguem para o mesmo destino, sendo desfeitos numa ou noutra encruzilhada mais à frente.

Toda a gente tem o mesmo espírito, apreciadores da natureza, defendem-na com ela merece. Não se vê lixo pelo chão, não se faz fogo em todo o parque, e os locais onde se pode comer são criteriosamente delimitados, sendo unânime o respeito pelas regras.

Recordo-me que em determinada altura do dia caminhava sozinho, quando me cruzo com uma rapariga Argentina chamada “Penélope”. Vestia roupas pouco apropriadas para quem vai passar um dia inteiro a caminhar. As cores vivas que exibia, contrastavam com o verde e o azul da floresta e lagoas. Resumidamente pode dizer-se que caso a “Penélope” se perdesse, facilmente seria encontrada pela equipa de buscas. A destoar ainda mais da mini-saia e top de folhos vermelhos, calçava umas botas de caminhada, indispensáveis para este tipo de piso.

“Penélope” era uma rapariga extrovertida. Jornalista, tinha visitado a ex-Jugoslávia durante a guerra civil. De alguma forma marcada pela beleza dos Balcãs, decidiu voltar para revisitar alguns locais onde estivera, e por querer guardar uma imagem diferente de um país que conhecera, desmembrado pelos horrores da guerra.

“Olá, vais para o lago Prosec?”

“Sim, tencionava ver o lago. Fica a cerca de 2 quilómetros daqui, seguindo por este trilho”, disse eu.

“Eu sou a Penélope, também queira lá ir mas desisti a meio. Não queria ir sozinha”.

“Se quiseres, podemos ir os dois”.

“Ah! Para falar a verdade, tive medo de ir sozinha. Vi uns ursos ali à frente numa ilhota e o lago é muito estreito. Não terão muita dificuldade em chegar a esta margem a nado”.

“Viste algum urso deste lado da margem?”.

“Não, deste lado não. Mas se quiserem passam sem problemas, penso eu”.

Comecei a sentir-me hesitante, e na dúvida se haveria de continuar em frente ou não, mas preferi não mostrar parte fraca.