PHá por aí um conjunto de pseudo-viajantes que vivem obcecados com a ideia de coleccionar países. És crítico desta perseguição meio tresloucada?

REu não me revejo nesse tipo de viajante. Conheci o José Megre, que esteve em todos os países à excepção do Iraque, mas não concordo com a ideia que defendia e que tem a ver com necessidade e importância do peso dos quilómetros. Para o Megre, ter lastro suficiente enquanto viajante, significava “fazer quilómetros”. Hoje, reconheço que posso ter de os fazer profissionalmente, mas tudo o que for demasiado fast parece-me redutor e perdido. Eu gosto da sensação de perder tempo para o poder ganhar.

PContinuas a viajar de mochila às costas numa atitude backpacker?

ROlha que aí eu sou crítico. Eu não acho que um backpacker seja de longe o viajante realista da viagem como ela é. O mochileiro é o indivíduo que não tem grandes posses financeiras e que viaja de mochila às costas para poupar dinheiro. Também há os de atitude, mas esses serão uma minoria. Eu não viajo de mochila e não sou nada contra o conforto, aliás, devo até reconhecer que fui muito pouco mochileiro.

PHabitualmente preparas as tuas viagens de forma a estabeleceres um plano prévio ou abraças a aventura e deixas que o instinto faça o resto?

REu gostava que o instinto fosse o fio condutor das minhas viagens, mas infelizmente nem sempre pode ser assim. Quando se trabalha com uma logística muito apertada, como é o caso da televisão, é de todo impossível darmo-nos a esses luxos. Na presença de “two roads diverging” não posso escolher no local e momento qual o caminho a seguir ou o que melhor me pode fazer gozar a vida. Contudo, e quando há possibilidade para tal, gosto de tornar presente a frase “não se encontra o que se procura mas o que se encontra.”

PConsegues isolar o episódio ou situação que positivamente mais te marcou em todas as tuas viagens?

RO episódio aconteceu durante a viagem do transiberiano e é uma estória que poderia estar num livro da Lonely Planet, chamado “The kindness of stangers”, com prefácio do Delai Lama e que tem por tema central a generosidade. Na dita viagem, por incúria e falta de profissionalismo do guia, aconteceu perder o comboio em pleno coração da Sibéria. Foi um momento terrível, onde de repente cais em ti e apercebes-te que estás completamente “lixado”. Sem dinheiro, cartões… absolutamente nada, vês-te sem maneira de continuar a viagem e literalmente a precisar dos outros. Depois, é claro que aparecem os taxistas dispostos a ganhar um ano de trabalho com uns obscenos 1500 dólares, que foi o que nos chegaram a pedir, para interceptar o comboio. Foi um engano de uma hora que me custou uns anos de vida! Mas eis que no meio daquela usura, gula e ganância, há um “gajo” que com alguma violência me agarra num braço e me enfia literalmente num velho Lada, ronceiro e a cheirar a gás. E fomos… cinco horas de estepe a custo zero, pelos caminhos mais improváveis e inesperados. Aquilo foi a viagem mais inacreditável da minha vida! A minha mulher cantava, riamos sem saber porquê, enfim, aquilo era outra vez Fellini! E o que é isto? Generosidade em estado puro!

PTerá sido este momento meio agridoce também o mais negativo das tuas viagens?

RVerdadeiramente negativo nesta viagem foi a falta de profissionalismo do guia que me convidou a mim e à minha mulher a fazer aquela viagem. Ainda por cima tentou dar a volta ao texto e tirar dividendos de um convite, que fruto da sua incúria e incompetência, nos provocou um grande dissabor momentâneo, mas também um momento de apologia. Efectivamente, aquele indigente oportunista e merceeiro das viagens, conseguiu criar-me no mesmo dia as emoções mais dispares e de sabor agridoce. Do lado trágico da história humana, felizmente nunca assisti a momentos que lhe estivessem associados. Já estive em países que foram alvo de tsunamis ou terramotos, mas não fui protagonista dos episódios.

PHá alguma viagem que nunca fizeste e que seguramente nunca farás?

RPara grande pena minha, acho que nunca irei visitar a biblioteca do Vaticano. É das viagens que temo que nunca vá poder fazer, mas que mais gostaria de fazer. Nem que fosse para perceber até que ponto a história da igreja é mentirosa.

Tiago Salazar no Studio Astolfi
Workshop no Studio Astolfi