PMas achas que é mentirosa?

RAcho que é uma história sinistra e sinuosa por dogma. Tanto se encobriu e tanto se encapotou, que se criaram imensos mitos e especulações. O que é de facto verdade? Eu acredito no Cristo como um iniciado e um personagem maior da história da humanidade, um viajante no sentido do peregrino e que também passou por uma profunda viagem interior.

PE qual é a viagem que não poderás deixar de fazer um dia?

RA da Patagónia, que espero fazer já no próximo ano.

PAchas que viajar pode ser ou tornar-se um vício?

RO vício pelo Golf, do qual fui praticante e instrutor, é uma boa resposta. Embora seja um desporto de difícil execução, são raras as pessoas que pegam num taco e não gostam da sensação e efeito que aquilo tem sobre elas. A prática acaba por tornar-se viciante e exigir uma entrega equivalente ao que exige uma arte. Se traçarmos um paralelo entre o Golf e as viagens, porque viajar também é uma arte, apercebes-te que está tudo lá: a entrega, a libertação do preconceito, o acto amoroso e o vicio pela relação corpo a corpo entre as pessoas.

PValorizas as viagens acompanhado, seja pela família ou amigos, ou achas que há momentos em que as viagens devem ser feitas só?

RCuriosamente acabei de regressar de uma viagem à Normandia onde fui fazer um tratamento a um ouvido. Fui fazer uma coisa que simbolicamente tinha que fazer sozinho. Por norma, eu não viajo com os meus amigos mas às vezes calha trabalhar profissionalmente com fotógrafos que são também amigos. Já com a família, e não sendo verdade a maior parte das vezes, imagino-me a viajar longamente, perpetuamente, com a minha mulher e os meus filhos. No fundo tudo são circunstâncias intrínsecas a cada situação e digo isto sem melancolias ou qualquer espécie de fatalismo. Cada situação é uma situação e o mundo não é nada justo: podemos é ir com olhos de quem gosta do lado bonito das coisas e da vida.

PMas achas que o mundo é assim tão injusto?

RO mundo tem muita injustiça e quase tem que ter esse contra ponto. Haverá sempre o preto e o branco; o Judas e o Brutus. As coisas não se conseguem anular umas às outras e a história não é para ficar empedernida, quieta ou sossegada, no seu fausto perpétuo.

PRevisitar um lugar já te trouxe alguma vez um amargo de boca?

REm parte acho que a Rússia. Após quase duas décadas, regressei ao que outrora foi a União Soviética e encontrei um país deformado pelos piores vícios. Moscovo, por exemplo, tornou-se mais papista que o “Tio Sam”, num sentido oligarca, prepotente e viscoso da questão. No entanto, é das cidades mais belas do mundo… Monumental como quase nenhuma outra.

PTens quatro livros editados, uma extensa experiência como jornalista e um caminho sempre ligado às letras. A escrita apareceu naturalmente ou como consequência das viagens?

RA escrita antes de o ser já o era. Eu aprendi a ler e escrever antes de ir para a escola. A relação com o texto e os livros talvez se possa confundir com a minha própria existência, pois esteve sempre presente. Eu não me lembro muito bem das circunstâncias, mas parece que aos oito anos até escrevi um romance.

PUm romance na verdadeira acepção da palavra?

RSim! Não sei onde é que o texto foi parar ou quantas páginas teria, mas a minha avó fala-me muitas vezes disso. Um dia acho que vou voltar ao estilo, mas quando o fizer tem que ser bem feito. Eu acho que o mercado está cheio de romances desonestos.

PMas é uma ambição que persegues?

RÉ uma expressão que me interessa. Há estórias maravilhosas nas minhas viagens que poderiam dar excelentes romances. Acho que até já houve uma que deu azo a um romance escrito por uma personagem minha conhecida (risos).

PA escrita é uma coisa que te apaixona incessantemente?

REu ponho a escrita, o amor e o Yoga em planos de igualdade na minha vida: como se fossem parte do mesmo mantra. No dia em que as palavras me soam como mantras, acho que consegui escrever alguma coisa de interessante. A escrita é respiração, é oficio na medida em que há lavoura… há labuta…

PÉ como se fosse o ar que tens de respirar senão sucumbes?

RÉ a nossa forma de expressão e comunicação. Para quê fazer o caminho inverso? Escrever é a melhor forma de falar comigo próprio e de “limpar a cabeça”. Escrita é respiração… faz bem à pele e à alma… é um banho de vida! É maravilhoso encontrarmos na escrita pontes de entendimento e vermos que os outros nos lêem com prazer.

PHá uns anos, um fotógrafo português, que infelizmente já não está entre nós – Gérard Castello-Lopes -, disse estar em total desacordo com a frase: uma imagem vale por mais de 1000 palavras. Achas que uma história de viagem pode valer por mais de 1000 imagens?

REu quero-te dizer que sim. Eu amo a fotografia, respeito-a e adoraria saber fotografar. Mas isso é quase como dizer que o Saramago é melhor que o Lobo Antunes; como ter que escolher entre a voz e a guitarra no fado. Há casamentos perfeitos e no caso da escrita de viagem, acho que a fotografia e o texto são um desses casos. Muitas estórias ficariam seguramente empobrecidas sem as fotografias que as acompanham.

PAcabas de publicar o teu quarto livro – “Endereço desconhecido”. É um livro muito diferente dos anteriores? O que é que os leitores lá podem encontrar?

RVão encontrar uma economia de palavras. O livro nasceu no programa de televisão homónimo e é baseado em diários de viagem, guiões e investigações que fui fazendo. Há uma componente histórica forte e, talvez pela primeira vez, a disposição do texto e diálogo está mais próximo da narrativa. O Tiago está lá na mesma, mas o texto é mais visual… mais cinematográfico… mais veloz.