“Para chegar não é necessário partir”, bem que poderia ser a frase-feita por alguém que se sente em casa num aeroporto. Não é que seja o meu caso, mas devo confessar um certo fascínio por esse ecossistema. Os aeroportos são tratados antropológicos inacabados. Os nómadas que aí transitam não chegam a definir uma cultura local, mas preenchem o espaço sem que o mesmo possa ser designado de lugar. Esbanjamos arquitectura e engenharia, mas não existe tradição. Contudo, reconhecemos um certo padrão de compartimento, um código territorial reclamado na antecâmara da manga. E a amálgama do mundo não se esclarece nesse instante de espera. Não há paz e harmonia, entendimento político de uma outra estirpe – as bandeiras de cada um instigam olhares de estranheza, suspeição, pronúncias bizarras. O meu acento é o mais remoto possível, incompreensível, esotérico – sou apenas mais um idiota de duty-free, perfumado repentinamente pro bono. No entanto, subsiste algo fugaz, contraditoriamente erótico, mas prontamente afastado pelo cheiro de desinfectante de sanitário rápido – a evacuação forçada pela hora impaciente de check-in. Os longos corredores são passadiços de vulgaridade e raro decoro. Muito de vez em quando um flamingo se nos cruza pela frente. Uma ave raspa ao de leve a sua veste no antebraço suado pela bagagem de mão. Poderia ter sido ela – há séculos atrás, na mesma pousada para a troca de cavalos na noite escura. Escuto com atenção. Oiço o silvo de um deserto, agora repleto de lajes de betão. Pousados que estão os aeroplanos em feliz acomodação. E outros planos tinha eu.

E se quiséssemos atribuir vistos de residência no reino aeroportuário, seriam os trabalhadores do comércio local (?) a receber o crachá. Ostentam na lapela as possibilidades de paleio eficaz de intérpretes, enquanto revelam na face outras tribos de consternação – o turno mal começou. É um jet lag sem apanhar o voo, sem o contágio de uma ligação indirecta para um destino de apneias e mergulhos cristalinos. Frankfurt, Schiphol ou Atlanta, nomes que soam a blues de propulsão, hélices de uma outra sorte, o tempo distinto, em que o atraso era desejado, a lentidão amada, o clima favorável. E eis que nos encontramos no esplendor do acesso global, onde refutamos a intimidade, a imersão num banho de cultura de outrem que nada tem para oferecer. Somos reféns de um aparato, de um aparelho voador sonhado por outro sol, da Galileia mágica, um reles tapete que gira com promessas de mala escangalhada, desaparecida por entre a bruma da volição.

Quando começar de novo, inauguro um pranto, e depois passo a irrequietude. Canto em estrofes como chegar, partir e nascer num outro horóscopo de viagens e cintos apertados.