Dei comigo a olhar as centenas de luzes tremeluzentes, que concediam à praça uma auréola mágica, e deixei-me levar pela noite que foi caindo aos poucos, até escurecer por completo.

O dia seguinte amanheceu, e com ele o regresso da agitação de outros dias, desde há mais de mil anos a esta parte que é sempre assim.

O sol ainda estava baixo, emprestando às ruas uns tons rosados, ou não fosse Marraquexe apelidada de “Cidade Vermelha”, talvez devido à cor da terra, que dispensou um pouco da sua tonalidade às ruas e casas que nela se semeiam.

A magnífica luz emanada pelo sol tem outro encanto ao amanhecer, a cidade como se fosse uma criança veste-se em tons de rosa, tenuemente pincelada por uma aguarela.

Dirigi-me para a Mesquita Koutoubia, construída em 1162 para ser uma das maiores mesquitas do mundo muçulmano Ocidental, possuindo um dos mais antigos e bem conservados minaretes.

A sua magnífica torre de pedra de Gueliz cor-de-rosa, ergue-se sobre a cidade no alto dos seus setenta metros. O sol tímido, e ainda a despertar, incide sobre ela os seus raios insípidos, realçando-lhe a sua beleza rosada, visível a muitos quilómetros de distância.

Marraquexe desde o início da sua fundação, foi defendida por robustas muralhas e fortalezas. Foram construídas muralhas de pisé de dezanove quilómetros de comprimento, nove metros de altura e dois metros de espessura, limitando os bairros Gueliz e Hivernage no seu lado oriental, as muralhas rodeiam a cidade velha, com os seus palácios e jardins.

Do lado de fora, a visão é arrebatadora. Acima das muralhas as palmeiras dançam ao sabor do vento, tendo como pano de fundo os picos cobertos de neve, das montanhas do Alto Atlas.

Deixei-me ficar ali breves instantes, até que o vento cortante me empurrou novamente para o interior das muralhas.

Entrei pelo lado oriental, pela porta Bab Aghmat datada do século XII, desaguando no bairro dos curtidores.

Por entre Mesquitas e palácios, deparei-me com o Palácio Bahia cujo nome significa “Palácio do Favorito” construído no final do século XIX. A sua arquitectura é exuberante, com luxuosas salas abertas para pátios arborizados. Dá para entender a razão do nome.

Absorvi-me novamente por entre a multidão do mellah de Marraquexe, perdendo-me por ruas estreitas, encontrando -me em cada praça. Passei por portas abertas que não sabia onde iriam dar, para me deparar com mais gente, perdida a cada esquina, negociando, falando alegremente ou simplesmente olhando-me com desconfiança.

Com alguma dificuldade abri caminho por entre uma teia de gente, burros e carros de carga, sem saber para onde estava a passar, apenas para atravessar para a outra margem.

Contagiado por esta agitação pululante, senti-me num formigueiro, onde parece que toda a gente anda à deriva sem saber muito bem para onde ir, mas na verdade todos têm um objectivo a cumprir, dentro de uma desorganização organizada.

O sol já dava sinais de querer dormir, lentamente ia cerrando os olhos e aninhando-se lá ao fundo no horizonte.

Nas pequenas muralhas de pisé, construídas apenas para separar uma casa ou um jardim de olhares indiscretos, projectavam-se as silhuetas de quem passava, desdobrando-se nas suas paredes num teatro de sombras.

As cores, essas também eram agora diferentes, como se o retoque de uma aguarela fosse dado numa última pincelada. A intensidade da luz ao anoitecer cobria as paredes de uma tonalidade idêntica à ferrugem.

A noite caiu, e a cidade voltou a iluminar-se com o mesmo encanto e a mesma magia de outros dias. Sentei-me para jantar, e deixei-me levar pela música que entrou em mim, sem pedir permissão, apenas me invadiu sem que pudesse fazer nada para evitar.

Parque Lalla Hasna em Marraquexe
Parque Lalla Hasna junto à mesquita Koutoubia.
© Agostinho Mendes
Tenda de comida em Jemaa-el-Fna, Marraquexe
Tenda de venda de caracóis na Praça Jemaa-el-Fna.
© Agostinho Mendes

À minha frente, a mesma dança serena e sensual, bamboleante para a esquerda e para a direita, com movimentos ritmados e envolventes. Senti-me a hipnotizar perante tamanho fascínio, não queria arredar o olhar, apenas fixar-me naquele ponto, e seguir com os olhos o contorcer das suas curvas.

Olhei-a nos olhos, mas ela não parou, manteve o movimento do corpo suave e subtil até me arrastar à sonolência.

A música finalmente parou, e o seu umbigo nu ficou estático, quebrando o elo mágico que o ligava ao meu olhar.

O encantamento como que de súbito parou, a bailarina da dança do ventre abandonou a pista, e abandonou-me entregue aos meus pensamentos.