Nuno Lobito, 47 anos, é reconhecidamente um nome grande da fotografia e um dos maiores viajantes portugueses de sempre. Em Novembro do ano passado, após muitos anos de insistência, resiliência e muita coragem, alcançou o seu grande objectivo de vida: visitar todos os países do mundo. Segundo o próprio, os 204 países visitados, incluindo alguns dos territórios não reconhecidos pela ONU, como é o caso do Sara Ocidental ou a Palestina, permitiram-lhe “fechar o mundo”.

Com 29 anos de profissão, o fotógrafo formou-se na ARCO e experimentou caminhos que o levaram do fotojornalismo à publicidade, contudo, em nenhum dos casos conseguiu atingir realização profissional e bem-estar emocional. A necessidade em passar a fronteira, não só física mas também mental, foi mais forte e determinante na partida à descoberta deste maravilhoso planeta a que chamamos Terra.

Viveu vários anos em Madagáscar e com tribos indígenas no coração da Amazónia. Conheceu pessoalmente o Dalai Lama e esteve nos locais mais inóspitos do planeta. Dos inúmeros países, das mais improváveis experiências e das centenas de milhares de quilómetros percorridos, chegaram-nos reportagens de grande qualidade, algumas vezes até perturbadoras, sempre com um cunho muito próprio e onde subliminarmente estão presentes as suas vivências e riqueza humana. Além das viagens e reportagens, Nuno Lobito tem ainda tempo para ser pai e marido, fazer programas de televisão, dar aulas em várias escolas e realizar palestras. De vez em quando há também espaço para a publicação de livros, o último dos quais “O Mundo aos meus Olhos”. Trata-se de um livro de edição própria, onde em apenas 150 imagens é possível empreender uma maravilhosa viagem através de 100 países.

Tendo a sua experiência de vida como um extraordinário exemplo do que melhor pode definir a essência de “um cidadão do mundo”, Nuno Lobito aceitou partilhar com os nossos leitores qual a sua visão do mundo, o que rege a sua vida e como a palavra “impossível” foi afastada do seu dicionário.

PSão 29 anos de viagens, caminhos, encontros e desencontros. Afinal como é que se iniciou esta grande epopeia? Como é que surgiram as viagens na tua vida?

RAtravés de uma grande sede de conhecimento que nos leva a querer e procurar mais. Tendo eu nascido num tempo em que não existia internet, desde muito cedo tive de me fazer ao mundo e percorrer a estrada. Só assim foi possível saber mais sobre o que está para além deste rectângulo chamado Portugal.

PAinda numa fase inicial deste percurso, viveste três anos em Madagáscar e cinco na Amazónia. O que é que motivou esta atitude? E porque não qualquer nós somos quilooutro lugar?

RAntes dos episódios que referes há muito para contar porque “o caminho faz-se a andar”. Não é também por caso que este vai ser título do meu próximo livro, onde desde logo vai ser possível compreender os passos e as circunstâncias que se encontram a montante de tudo isto, bem como outras histórias de vida que hoje são desconhecidas. Madagáscar, além de uma história interessante, é a consequência de ter conhecido o fotógrafo Philippe Gaubert. Conhecemo-nos num bar, em circunstâncias inesperadas, onde as nossas Leicas M6 bateram uma conta a outra. Com o decorrer do tempo acabamos por construir um estúdio de fotografia, ainda hoje a funcionar, chamado World Photography. A Amazónia surge do interesse em conhecer melhor a cultura do seu povo, mas sobretudo como resultado de uma Malária Falciparum que contraí em Madagáscar. Durante um dos períodos febris característicos da doença, obtive a seguinte visão: um índio, uma índia e um livro sobre índios. Passei tudo isto à prática e hoje sou casado há 11 anos com uma índia, a Carol; sou pai de um índio, o Angel; e o livro “Amazónia Oculta” está feito. Devemos, portanto, seguir o nosso caminho porque nós somos aquilo em que acreditamos.

PEm Madagáscar, essa variante grave da malária não te fez temer por um desfecho menos feliz. Achas que este tipo de situações contribui para alterar as prioridades que cada um estabelece na vida?

RObviamente que sim. No fundo, é o que já referi… Quando estamos abertos a uma energia cósmica, ao mesmo tempo que percebemos as mensagens remetidas pelo divino e pelo mundo, temos que mudar o nosso caminho. Foi na sequência desta experiência e mudança que segui para a Amazónia.

PViver cinco anos na Amazónia, longe de tudo e na companhia de tribos índias, com costumes tão diferentes dos que estamos habituados no mundo ocidental, é seguramente uma experiência que não esquecerás. O que é que isto contribuiu para o teu enriquecimento enquanto pessoa?

RBem, creio que o enriquecimento não foi só meu, mas também de todos os que se cruzaram comigo. Sabes? Quando um indivíduo vive com aquilo que tem, mesmo que muito frugal, e consegue aceitar quem é, consegue entender o que é a sociedade. Eu fiz apenas uma pausa, ainda que prolongada, para perceber quem era e qual o caminho que queria seguir. Neste processo a Amazónia foi perfeita porque permitiu-me passar por momentos de grande introspecção, dando seguimento à minha filosofia budista. Aprendi que temos que estar abertos ao caminho que se abre à nossa frente, perceber o que queremos e para onde vamos. A Amazónia foi magistral para eu aprofundar a minha verdadeira essência, enquanto pessoa e ser humano.

Nuno Lobito na Amazónia
Nuno Lobito com índios da Amazónia.

PDepois desta experiência, passaste a ver o mundo sob outra perspectiva?

RNão. Em verdade, eu comecei a perceber o mundo quando fiz a conversão ao budismo. Foi através desde processo que percebi realmente quem eu era, o que queria, para onde deveria seguir e o que é, afinal, este mundo.

PO início da “aventura amazónica” foi passado dentro de uma piroga, onde te deslocaste durante dois anos de aldeia em aldeia, algumas vezes não sendo até muito bem recebido pelas comunidades locais. Queres falar-nos um pouco deste período?

RPosso dizer que pelo simples facto de um indivíduo ser branco, o que desde logo remete para ideia do colonizador, implica avançar com algum cuidado e entrar muito de fininho. Numa situação conflituosa, onde se perca o controlo, eles não têm qualquer problema em “limpar”, também de fininho, o branco que chegou sabe-se lá de onde. É nestas coisas que se vêem os poderosos, os heróis e os tipos que “os têm no sítio”. Porque é assim: andar por ali dois anos, perdido no meio do nada, sem hotéis, casas ou o mínimo de condições, é mesmo muito difícil. Mas o que realmente importa, é que está feito.