PTodas as viagens que realizas têm como principal objectivo a obtenção de um conjunto de imagens que potenciem a realização de reportagens e que possam contar a verdadeira história dessa viagem?

RPara mim, as reportagens são primeiro que tudo fotografias de que eu gosto. Se outros gostam e têm interesse, compram e pagam. Não sendo assim, é material que junto ao que tenho para vender há uns 20 anos e que ninguém quer. De qualquer modo, eu também sei que tenho targets que tenho que respeitar: a Caras ou o Fugas são apenas dois exemplos.

PDas viagens que normalmente fazes, há alguma que se possa dissociar da fotografia?

RNão. As viagens estão sempre ligadas à fotografia e não há nada que o possa mudar.

PComo é que as pessoas fotografadas reagem habitualmente à tua presença? Tens alguma estratégia de forma a criar empatia, para que depois te possas aproximar sem grandes problemas?

RNo terreno, a estratégia é chegar, disparar e acabou. Depois, mais calmamente, partilho então o momento através do LCD. Difícil era quando se trabalhava exclusivamente em filme, onde após cada “disparo” não se tinha nada para mostrar e partilhar. Foi assim que fiz o meu livro “Amazónia Oculta” e acredita que não foi fácil. Hoje em dia as coisas são muito mais simples, porque é só virar o LCD e está feito. Mas a estratégia também se aprende através, por exemplo, dos workshops que eu dou regularmente, pois é a melhor forma de explicar aos novos fotógrafos como se devem comportar no terreno. Como resultado desdes workshops, por vezes, há ainda espaço para eu levar alunos em viagem para que possam também aprender com a minha acção e experiência.

PMuito do teu trabalho é registado a preto e branco. É uma questão de gosto pessoal ou achas que é um trabalho onde há obrigatoriamente a transmissão de uma mensagem diferente?

RNão é tanto uma questão de gosto pessoal, mas sim ao fim a que se destina. Dispondo a fotografia de um conjunto diversificado de targets, entendo que o preto e branco é um tipo de imagem dirigida a um target especial.

PProcurando ganhar algum distanciamento do que já fizeste, consideras que tens sido um privilegiado na tua profissão? Porquê?

RPrivilegiado? Eu agradeço a mim tudo isto, mas também a Deus e às pessoas. Sem sombra de dúvida que sou um grande privilegiado, porque dizer que se faz aquilo que realmente se gosta, acho que só 3 ou 4% das pessoas o podem dizer no mundo. Eu posso dizer que faço exactamente o que gosto, como gosto e quando gosto. É óbvio que tenho algum tipo de responsabilidades com o mercado, mas também me posso dar ao luxo de pagar 700 € / mês pelo colégio do meu filho, o que nos dias de hoje não é propriamente fácil.

PCom os anos de actividade que já levas, seguramente terás um imenso património acumulado. Há algum projecto para que o teu trabalho ainda desconhecido possa chegar junto do público em geral?

RQuero fazer um bom livro onde possa mostrar, de forma muito clara, quem é o Nuno Lobito. Sem entrar em pretensas autobiografias, quero abrir o jogo para que as pessoas percebam quem sou, de onde vim e por aquilo que passei. Tranquilamente quero levar às pessoas muito do que elas ainda não sabem.

PAlém das revistas, onde habitualmente publicas os teus trabalhos, que outros veículos utilizas para fazer chegar ao público a tua experiência enquanto viajante e fotógrafo? Queres falar um pouco deles?

REu já faço muita coisa relacionada com as viagens e fotografia que me faz chegar junto do público. Como em parte já referi, procuro chegar junto do target onde estão os novos fotógrafos, desenvolvendo para isso várias actividades: programas de televisão, aulas e palestras.

POnde encontras inspiração para as fotografias que fazes?

RDentro do meu coração. A inspiração resulta do instante em que olhando para mim, sei o que sinto naquele determinado momento. A técnica está lá, dentro da cabeça e junto à parte racional, mas a inspiração é muito mais emotiva e vem do meu coração. Depois há ainda o efeito indutor relacionado com o facto de estar a conhecer outros locais e pessoas. Aliás, é em parte por isto que normalmente não fotografo em Portugal.

PComo é que habitualmente escolhes o equipamento que levas para as tuas viagens? É sempre composto pelo mesmo conjunto de câmaras e objectivas, ou vais adequando a escolha conforme o tipo de viagem?

REu tenho três tipos de câmaras: uma Leica M8, que é para brincar; uma Sony Alfa 850, com 26 milhões de píxeis, que é um Ferrari à séria; e a Leica Digilux, que fez comigo a Amazónia. Normalmente levo sempre as três, até porque cada situação tem as suas características próprias. Procurando encontrar uma analogia, é quase como umas vezes gostar mais de viajar de jeep, outras de cabriolet e outras, ainda, de bicicleta.

PTendo cumprido, em Novembro passado, um dos teus grandes objectivos de vida, que foi completar essa grande epopeia de pisar o solo de todos os países do planeta, pode dizer-se que conheces o mundo?

RConheço o mundo no sentido em que já pisei todos os países que ele comporta, mas o mundo conhece-se a andar. Depois de ter fechado este capítulo já passei por mais 10 países, mas com objectivos e caminhos diferentes. O que posso garantir é que jamais irei parar de viajar, porque só assim se consegue continuar a aprender.

PConsideras que se tratou de um caminho com um ciclo de aprendizagem contínua, onde a linha de chegada nem sempre esteve muito bem definida?

RSim. Está no meu ser a busca pelo conhecimento, no sentido em que a aprendizagem não tem definição, até porque é contínua. No dia em que deixarmos de aprender, automaticamente deixamos de ser humanos para passarmos a ser burros.

PUma aventura desta natureza só é possível com alguma dose de loucura, muita determinação e coragem. Talvez a fazer lembrar os portugueses destemidos que ousaram partir nas caravelas. Os descobrimentos portugueses tiveram algum tipo de influência na forma como tu também procuraste desbravar o mundo?

RO que nos falta hoje em dia é identidade. O SER português está no meu sangue, até porque eu nunca me esqueço da história de Portugal; nunca me esqueço daqueles homens que partiam para o Brasil, muitas vezes com 600 à partida e apenas 60 à chegada. Não me esqueço das nossas raízes e da força que podemos encontrar cá dentro, por isso, mantenho-me fiel a esta vontade de ser português e estou certo que podemos dar muito mais. Temos é que, sem paranóia ou medo de “atravessar o oceano”, lutar para alcançar os objectivos e “ir até lá”; temos que desbravar e não ter medo desta loucura saudável, porque depois… Depois, quando voltamos, é uma alegria e emoção sentir que valeu a pena.