PGeralmente viajas sempre sozinho. Vês nisso uma vantagem? Nunca dás contigo a desejar ter alguém por perto com quem possas partilhar, por exemplo, uma experiência intensa do ponto de vista emocional?

RDesejar? Eu não desejo. Quem deseja sofre. Desejo é futuro e eu vivo o presente… É viajando sozinhos que podemos aprender e, no fundo, estarmos connosco. Quando se viaja na companhia de alguém é provável que após algum tempo se possa conhecer melhor essa pessoa, mas isso também se poderia alcançar sem sair daqui. Eu prefiro conhecer um Belga, um Chinês ou um Iraniano e partilhar a experiência directamente com eles. Depois há ainda aquela questão que ensombra as viagens de uma dupla ou grupo: o facto de num dia um querer ir para a esquerda e a outro para a direita. No meu caso em particular, eu viajo cerca de 90% das vezes sozinho, contudo, há que não ver isto como uma ideia hermeticamente fechada, até porque em alturas específicas é bom levar os alunos em viagem – tal como fiz há uns tempos com o Filipe Morato Gomes. Há que viajar com as pessoas certas, nos momentos e alturas certas, sem ter de viajar só por viajar.

PContinuas a viajar de mochila às costas numa atitude backpacker? Vês nisso uma mais-valia, no sentido em que te permite chegar mais perto das pessoas?

RNormalmente viajo numa atitude backpacker, mas se for preciso também tenho guardada uma Louis Vuitton. Antes de partir há que perceber o sítio para onde se vai: se o destino é Nova Iorque eu não levo a minha mochila, mas se é Amazónia obviamente que levo. Embora me identifique como mochileiro e reconheça ser uma mais-valia que nos permite outro tipo de aproximação junto das pessoas, há hoje coisas que já não “papo”: não faço, por exemplo, outra vez a Amazónia ou a viagem Portugal – Nigéria de carro. É preciso adaptação às circunstâncias do destino. Dentro de meses vou de túnica para as Andaman Islands, na Índia.

PDepois de tantas viagens, pessoas e experiências, o que é que ainda te consegue surpreender?

RO ser humano pela sua ignorância. Quando se sabe que no mundo há 20% da população a passar forme, mas ao mesmo tempo 8% anda a fazer dieta, há aqui qualquer coisa que não está bem. Há por aqui uma inversão de valores e prioridades. Também me preocupa muito ver as pessoas chegarem ao futuro, sem que tenham vivido o presente. Os humanos “chutam” cada vez mais para a frente, sem que façam por ser felizes agora, hoje, no dia-a-dia… Surpreende-me muito que a grande maioria das pessoas viva muito o futuro. O futuro não existe porque já passou. Afinal, o que é que nós vamos levar daqui? Nada! Há que viver o presente, sem medos ou rodeios.

PExiste algum destino, experiência ou viagem que hoje escolherias não ter efeito? Pelo menos da forma como acabou por decorrer?

RIsrael. Andei por lá e não gostei nada da forma como me trataram. É um povo que eu ignoro e normalmente prefiro não falar. Além disso, é um povo que busca o perfeccionismo das coisas, mas sustentado por um ideal que na minha perspectiva é uma utopia. Se eles continuam sem resolver os traumas do passado, só têm que partir para outra. Eu é que não tenho que levar com aquilo. Enquanto lá estive fui muito pouco respeitado. De qualquer modo, tenho que reconhecer que também há por lá gente boa, como é o caso dos fulanos com quem viajei em 1988 – um grupo de indivíduos fugido do país para não serem obrigados a ir para o exército.

PHá alguma viagem que nunca fizeste e que seguramente nunca farás?

ROlha! À Lua. Nunca irei à Lua. É uma coisa que não me diz absolutamente nada. Mas em breve, lá para meados do ano que vem, se tudo correr bem, vou ao Pólo Norte. Voltarei a ser um português pioneiro em mais um grande projecto. Step by Step vou chegando lá…

PE qual é a viagem que não poderás deixar de fazer um dia?

REu posso dizer que sou uma pessoa realizada, até porque fiz todas as viagens que idealizei e que me apeteceram fazer. Em boa verdade a melhor viagem que todos podemos fazer é ao nosso interior… É estar disposto a ir para um templo budista durante 15 dias. Ousem fazer esta viagem e venham ter comigo para contar como foi. Em parte, o Nuno Lobito é hoje aquilo que é, depois de ter empreendido uma destas viagens.

Nuno Lobito em meditação

PQuais são as regiões ou países mais fascinantes que já visitaste? Porquê?

RPara simplificar, talvez seja melhor dividirmos isto por continentes. EUROPA: Portugal, que é o meu país de eleição, e… Talvez o Báltico e Escandinávia, no verão – Estónia, Dinamarca e também um pouco da Suécia. De qualquer modo, a Europa é um continente velho e morto; muito caro e onde se aprende pouco. ÁFRICA: Somália, Congos, Burundi, Ruanda… É o continente para os grandes viajantes. Para aqueles que conseguem sobreviver a temperaturas superiores a 50 graus e andar no meio do mato, muitas vezes a dormir que nem cães. ÁSIA: Índia, Tibete e Laos. No fundo é o continente que se identifica melhor com a minha espiritualidade e forma de estar, muito através daquela linha budista e da multiplicidade que me fascina até à morte. OCEÂNIA: este continente, composto por tantas ilhas que algumas nem sei bem onde ficam, surpreende-me pela sua beleza e pela aventura que propicia. Agora que tenho mais tempo para entrar no detalhe dos locais que visito, ainda vou “bater” muito aqueles Naurus, Kiribatis, Papoas… Já em termos de países, o meu top5 é o seguinte: Irão, Indonésia, Amazónia (embora seja uma região), Portugal e Madagáscar. São os locais que realmente gosto e venero. E porquê!? Porque foi lá que me senti completamente em casa e onde fui muito bem recebido pelas pessoas; onde me foi permitido desenvolver uma interessante partilha entre aquilo que, por um lado, eu sei e, por outro, as populações locais também sabem.

PLembras-te do país onde foi mais complicado entrar ou permanecer?

REntrar? Talvez o Turquemenistão, onde estive quase 6 semanas à espera do visto. Trata-se de um país complicado, onde o governo só autoriza a emissão de 10.000 vistos anuais para o mundo inteiro. Já no que respeita à permanência voltamos a Israel. Não há mais nada a acrescentar.

PConsegues isolar o episódio ou situação que positivamente mais marcou as tuas viagens?

RPositivamente, acho que me marcam todos. Posso, no entanto, destacar o momento em que cheguei ao aeroporto de Lisboa, no dia 11.11.11, com o espírito de missão cumprida. Foi o culminar da grande viagem que empreendi durante todos estes anos. O facto de ser recebido pela minha família, os meus pais, televisões, rádios, os amigos da juventude leonina, a minha primeira namorada e pessoas que já não via há vários anos, foi também muito especial.