PFoi também na Amazónia que encontraste a tua mulher. Foi fácil a aproximação, o casamento e convencer uma família índia das tuas boas intenções?

RPor respeito à privacidade da Carol e por questões pessoais, não comento a vida que levo com a minha mulher. Posso apenas referir que não tenho qualquer dúvida em como não voltarei a encontrar uma mulher tão boa companheira e que aguente este louco disciplinado, chamado Nuno Lobito. É que eu sou um tipo muito passado, mas sou mesmo assim. Está na minha génese.

PÉ curioso que em qualquer destes locais acabaste por deixar a tua marca. Em Madagáscar abriste um estúdio fotográfico e na Amazónia um pequeno ecoresort. Por onde passas, faz parte da tua natureza deixar algo para a posterioridade?

RDeixar uma pequena marca nos locais por onde passamos, faz parte do caminho. Aliás, digo até mais… Um dia, quando me transferir para o além, as pessoas vão-se lembrar-se de mim; daquele maluco, com uma enorme sede de conhecimento, que foi o primeiro português a pisar todos os países do mundo. Muitas das marcas que deixamos são, no fundo, a partilha e a experiência que se verifica com cada povo. É o dar e o receber. Há uma coisa que me dá um enorme prazer: a partilha das minhas vivências e longa experiência, não só com Portugal, mas também com o mundo.

PAcreditas que numa viagem há sempre o partir, mas também o voltar? Esta ideia de fechar o círculo e regressar ao ponto de partida faz sentido?

RNão. Nada disso! Essa é a pergunta típica que fazem ao Gonçalo Cadilhe, pessoa que, aliás, muito preso e respeito. Agora que falo nisto estou a lembrar-me do Gonçalo, ainda “puto” nestas andanças, ter estado comigo na Amazónia em 2000. É muito interessante ver o seu percurso a esta distância. De uma forma geral, eu acredito que faz sentido voltarmos aos locais onde sentimos que estamos em casa.

PHabitualmente como organizas as tuas viagens?

RTodas as viagens são programadas com alguma antecedência, até porque quando piso o lugar não quero, nem posso, estar a perder tempo com pormenores. Neste momento posso adiantar que já tenho o ano 2013 praticamente fechado, o que significa obrigatoriamente dispor de organização, metodologia e disciplina. Dentro de algumas semanas vou fazer o coast-to-coast, nos Estados Unidos. Em apenas 11 dias, são perto de 7000km a percorrer de carro entre Nova Iorque e Los Angeles, o que obriga a tiradas diárias com mais de 600km. Nestes casos é preciso garantir que há um mínimo de preparação para que nada falhe. De qualquer forma, também sou aquele tipo de pessoa que organiza para depois não respeitar. Quando não me sinto bem num lugar, vou à procura de outro. Respeitar totalmente, só mesmo os aviões.

PRetrocedendo um pouco à génese de tudo isto, qual é afinal a importância da fotografia na formação do viajante Nuno Lobito?

RAqui vão-me desculpar a minha falta de humildade, mas em primeiro lugar há que dizer que o viajante Nuno Lobito foi quem criou este conceito da fotografia de viagem, bem como as primeiras formações que se fizeram na área. Em Portugal, nada disto existia e muito menos as chamadas revistas de viagens. Havia a Grande Reportagem, onde se faziam excelentes peças de fotojornalismo, mas nada directamente relacionado com a viagem. Eu criei aquilo que desejava, ao conseguir criar uma nova linha de fotografia no mercado nacional, mas acima de tudo fi-lo onde me sentia bem. Acho que fiz a minha parte e hoje sinto-me feliz por fazer formação; passar aos meus alunos o que sei e mostrar-lhes o caminho.

PQuando entraste no ARCO para estudar fotografia, já havia uma decisão clara sobre o caminho que pretendias seguir? Sempre definiste como meta trabalhar como fotógrafo de viagens?

RNão, até porque não existia a hoje chamada “Fotografia de Viagem”. À data eu queria simplesmente ser um bom técnico. Só depois de ter dominado a luz em estúdio e ter feito outras coisas na área, é que me lancei para as viagens, mas tudo ainda no tempo da película e dos diapositivos. O ARCO foi o AEIOU para ser aquilo que sou hoje, facto que agradeço do fundo do meu coração ao José Soudo, meu professor e mestre.

Nuno Lobito no terreno

PNeste momento consideras-te um fotógrafo profissional que aproveita para viajar, ou um viajante que vive da fotografia?

REu sou acima de tudo um fotógrafo profissional que aproveita o exercício da sua profissão para viajar. Em parte também sou um viajante que vive da fotografia, mas só o sou em função dos anos de profissionalismo que já ficaram para trás. É difícil dissociar a fotografia das viagens, até porque eu sou um só. Talvez me defina como um fotógrafo viajante.

PFoi fácil vencer no complicado mercado fotográfico nacional, onde as oportunidades são escassas e muitas vezes reservadas só para alguns?

RNa resposta a esta pergunta, onde me dirijo especialmente aos “putos” que estão agora a começar, gostava de sublinhar a seguinte frase: “nós somos aquilo em que acreditamos”. É preciso ser persistente, focar os objectivos, lutar por aquilo que se quer e estar preparado 10 anos para levar com NÃOS. É assim que se vê quem é forte e está preparado para este mundo. Os fracos, esses que mudem… Sejam políticos, porque isso rende mais dinheiro. Agora que dá um imenso gozo fazer um “grande boneco” e poder partilhá-lo com o mundo inteiro, isso não posso negar. É o reconhecimento do nosso empenho e esforço.

PQuais são as principais dificuldades que tens encontrado ao longo dos anos?

RContinuar a vencer e manter-me nos 80%. É que chegar aos 100% pode até não ser muito difícil. Aliás, é uma meta onde já cheguei por várias vezes. Agora mantermo-nos nos 80% de forma estável, é que é só para alguns. Em termos de fotografia de viagem, o mercado português é muito pequeno; devem existir uns 20.000 fotógrafos para 10 publicações. Eu faço programas de televisão, workshops, livros, vendo reportagens, estou online, ou seja, é preciso perceber como é que o mercado está construído e percorrer o caminho em função disso. Temos que saber agarrar as oportunidades e ter personalidade. Um fotógrafo que não tem personalidade anda ao sabor do vento, coisa que em nada tem a ver comigo.