Talvez devido à excitação que me esperava no dia seguinte, a noite passou lenta e sem sono, num acampamento algures perdido nas vastas planícies do Serengueti.

As tendas apesar de serem luxuosas, não deixavam de ser de lona como qualquer outra.

A noite continuava a arrastar-se. O meu único desejo, era que as horas passassem o mais rapidamente possível e o despertador tocasse.

Olhei para o relógio.

Oh não!!! Eram apenas duas da manhã. A ansiedade de poder estar na cratera, começava a tomar conta de mim.

De súbito, vivi uma das experiências que mais me marcaram durante a viagem. Ouvi cascos a bater no chão bem próximos da tenda, e pelo som estariam bem perto, a dois, três metros talvez.

Poderiam ser gnus, talvez zebras ou quem sabe gazelas ou antílopes, uma coisa é certa, tinham cascos e estavam bem próximos.

Os lodges ou acampamentos não têm qualquer tipo de vedação e são construídos de forma a estarem perfeitamente integrados no ecossistema, por isso é bastante vulgar vermos animais selvagens a atravessar os acampamentos sem quaisquer complexos.

O ruído terminou, já estava a começar a ficar preocupado, os animais selvagens são imprevisíveis. Seria uma boa altura para tentar aproveitar umas horinhas de sono, até o despertador me chamar.

Começo a cair na sonolência quando ouvi o rugido de um leão, sem saber se tinha sido sonho ou realidade os meus sentidos ficaram despertos, num misto de excitação e receio. De rompante surgiu um segundo rugido ainda mais forte. Na escuridão da noite em que apenas uma ténue lona me separava do rei da selva ou simba, como é simpaticamente chamado na língua Swahili.

Nunca pensei deparar-me com uma experiência destas, mas posso garantir que é das sensações mais arrepiantes que se pode sentir, proporcionando-me um prazer incalculável no contexto em que me encontrava. Não voltei a pregar olho o resto da noite, não só pela expectativa de ouvir mais rugidos, mas também porque o respeitinho é muito bonito, e um rei é sempre um rei, ainda mais em plena selva.

Devido à proximidade de rochas, local privilegiado para os leões apanharem os seus banhos de sol durante o dia, para sairmos da tenda tínhamos de apitar para que um guarda armado com uma carabina, nos viesse buscar e nos acompanhasse ao local do pequeno-almoço.

A vegetação era alta em todo o acampamento, o que associado à ideia da inexistência de vedações, provocava em mim um aumento do batimento cardíaco, sempre que se ouvia um pequeno barulho por entre as ervas, para onde por mais que olhasse nada conseguia vislumbrar.

Mas hoje era o dia D, e mesmo sem ter dormido uma hora que fosse a boa disposição predominava, como se fosse o primeiro dia de escola, parecia uma criança próxima de realizar um sonho, que inundava o meu intimo desde que me lembro da minha existência.

“Jambo”.

“Jambo”, retribuo. Quer dizer olá na língua Swahili, e dizem-no sempre que se cruzam connosco, com um sorriso que vem da alma.

Good Luck já me esperava, e por conversas existentes anteriormente, ele tinha consciência da importância que este dia tinha para mim, por isso olhou-me nos olhos e disse, “Hoje é o teu dia”.

Metemo-nos em marcha em direcção à cratera, o silêncio era total, Good Luck respeitou este meu momento, para que pudesse desfrutar e beber toda aquela beleza deslumbrante que desfilava perante os meus olhos.

À medida que nos aproximávamos comecei a sentir-me nostálgico, como se despertasse em mim um receio de que o sonho não correspondesse às expectativas. Por outro lado algo me dizia, “Vive este dia único, como se não houvesse amanhã. Vive este dia como se a vida fosse um sonho”.

Parámos num miradouro, em que supostamente deveríamos conseguir ver toda a cratera. Era um ponto privilegiado, mas as nuvens não permitiram que a cratera desvendasse os seus segredos, por estarem demasiado baixas.

Como se fosse um tesouro escondido, continuava encoberto ora por montes, ora por nuvens, guardado num mistério que só os meus olhos poderiam deslindar.

Em minha alma criou-se a sensação de um estado celestial, como se estivesse no céu, conseguia imaginar o paraíso que estas nuvens teimavam em esconder, era o Jardim do Éden.

Pedi ao Good Luck que parasse o jipe, precisava sair, precisava pisar aquele chão sagrado.

Baixei-me e encostei o ouvido ao chão. Como se a auscultasse, conseguia ouvir o coração da terra, a pulsação do planeta que batia de uma forma ritmada e viva, talvez também nervosa com a minha presença.

Senti que conhecia este local mesmo sem nunca cá ter estado, inexplicavelmente senti que regressava às origens, às minhas memórias primitivas, mesmo não tendo qualquer ligação passada com África, pelo menos que saiba.

Tinham acabado de despertar em mim um cocktail de sentimentos um tanto ou quanto contraditórios, apetecia-me rir mas também chorar, apetecia-me gritar ao mundo que sou feliz e ao mesmo tempo triste, queria desfrutar daquele maravilhoso silêncio.

Acalmei o turbilhão de sensações que se manifestavam dentro de mim, e continuámos o nosso caminho para o paraíso, até à segunda maior cratera do mundo.