Descemos por um trilho único, que desembocava nesta maravilhosa criação da natureza com cerca de20 quilómetrosde diâmetro e600 metrosde altura. Dá a sensação que estamos num estádio gigante. Talvez os estádios no céu sejam assim.
Aqui vivem hienas, chitas, gnus, chacais, e nos vários lagos salgados existentes na cratera milhares de flamingos cor-de-rosa, que tornam o cenário ainda mais esplendoroso.
Os animais que aqui se encontram já não efectuam migrações, por sua vez devem pensar, para quê migrar quando já vivem no paraíso.
Talvez por essa razão a cratera seja apelidada de “Arca de Noé”.
Começo a sentir a adrenalina a subir quando vejo os primeiros leões acompanhados com as suas crias. Estacionamos a escassos4 metrosde distância, mas os leões mantêm-se impávidos e serenos, donos e senhores do espaço, têm realmente a noção que o espaço é deles.
São indiscutivelmente os reis da selva.
O poder da juba que coroa o leão como o verdadeiro rei da selva, a indiferença que mostram perante quem passa, sem demonstrar o mínimo receio do que quer que seja. Já tinha visto muitos leões no jardim zoológico, no circo e até nos programas da National Geographic, mas estar a escassos metros desta força da natureza no seu meio natural onde vivem em completa liberdade, é uma experiência única, muito diferente de qualquer outra visão que se tenha tido de um leão onde quer que seja.
Cheguei à conclusão que tinha sido neste dia que vi um leão pela primeira vez. As crias são muito curiosas e aproximam-se do jipe com a maior naturalidade, quase dá vontade de sair e agarrá-las, sentir uma cria selvagem nos braços, mas isso seria de todo imprudente e iria contra as leis da natureza, onde existem leis muito próprias que deverão ser respeitadas. Os invasores aqui, somos nós.
Continuando a percorrer a cratera observo cuidadosamente os animais, e reparo na felicidade que manifestam, pela forma como correm, como se cortejam, como se alimentam, deve ser a sensação de liberdade.
Hoje em dia quem é livre na vida quotidiana?
Muito pouca gente se pode considerar livre.
Estes animais podem viver no seu meio ambiente, em que a poluição ainda não é um problema e serem felizes. Poucos podem gabar-se de viver no paraíso.
Ainda é muito cedo, e um turbilhão de sensações invade-me o cérebro, colocando todos os sentidos em alerta. Existe alguma humidade no ar e o calor ainda é relativo, por outro lado um aroma invade a atmosfera, é o cheiro adocicado das acácias na sua beleza impar, cor de diospiro.
É durante este período da manhã que os animais se encontram em maior actividade, aproveitando para efectuarem as suas caçadas antes que o calor aperte, porque de tarde há que dormir a sesta.
Quem disse que a civilização é boa?
Poucos minutos depois de entrarmos na cratera, temos a oportunidade de acompanhar uma perseguição de uma chita a uma zebra, não tendo sido concluída com sucesso.
A perseguição é muito rápida, mas durante esse escasso período de tempo aliado à excitação, somos confrontados com o desejo de que ambos vençam a sua batalha, presa e predador.
Se por um lado tenho a noção de que a vida na selva não é fácil, e tem de se matar para comer, por outro lado vejo o desespero da presa que luta com todas as suas forças para que a sua vida continue.
Quando observamos uma perseguição o prémio máximo é a captura da presa, deve ser sem dúvida muito emocionante, mas eu talvez por ainda estar muito a quente e deslumbrado, fiquei feliz por esta caçada não ter tido sucesso.
A chita que me perdoe.
O Jipe continua o seu percurso pelos trilhos, e os animais tratam-no como se um ser da sua espécie se tratasse, não estranham a sua passagem, havendo alguns como as zebras por exemplo que até param curiosas para o observar.
Houve um momento em que um grupo de zebras cruzavam o trilho que nós percorríamos, e pararam em fila indiana para nos dar prioridade, talvez por irmos num veículo motorizado.
Será que sabem as regras do trânsito?
Com toda a certeza sabem o lugar que ocupam na hierarquia da selva, que parece tão bem organizada, capaz de fazer inveja ao organigrama definido por qualquer multinacional.
Quando nos cruzámos com um elefante quilómetros mais adiante no mesmo trilho, fomos nós que cedemos prioridade, a antiguidade é um posto, além disso devemos sempre respeitar os mais velhos.
Existe uma espécie de código deontológico, como se tudo estivesse em perfeita harmonia e existisse uma linguagem única, uma verdadeira lição de humanismo.
Cratera de Ngorongoro – onde a vida acontece. Simplesmente fabuloso!
O autor do artigo continua a fascinar-nos com os seus relatos de viagens.