Ainda não tínhamos conseguido observar nenhum, mas como que por milagre foi dado o alerta pelo walkie-talkie, que tinha sido visto um leopardo não muito longe dali.
O jipe muda de direcção, e a nossa excitação começa a aumentar novamente, como se faltasse um último cromo na nossa preciosa caderneta. Nenhuma colecção pode ser considerada como tal, se não estiver completa.
Um jipe estava parado a cerca de duzentos metros de uma acácia. O trilho não permitia que chegássemos mais perto.
Aguçamos a vista, uns com binóculos outros com as lentes das máquinas fotográficas, mas nada.
Alguém consegue ver os contornos da cabeça de um leopardo deitado.
Deve estar a dormir. Mas está demasiado longe para que o possamos ver com exactidão.
Continuamos à espera.
Passados 90 minutos de observação constante, ele abre a boca como se estivesse a bocejar, espreguiça-se, levanta-se…
Uuauuuu! Que visão maravilhosa!
Não podemos deixar de ouvir um uníssono “ohhhhhh!”, em voz baixa.
Que deslumbre!
Olha em redor como se estivesse a ver o tempo, para decidir o que vai vestir.
O leopardo sai sempre à rua bem “vestido”, na minha opinião é o animal que melhor “veste” em toda a selva.
A acácia onde se encontra o felino tem cerca de dez metros de altura. Ele está em cima de um tronco que lhe faz de cama a sete metros do chão. Continua a alongar-se como se tivesse acabado de fazer desporto, e dá um salto para um ramo dois metros abaixo do seu “quarto”.
“Olha o que está ali”, exclama alguém de olhar fixo e dedo apontado.
Em cima de um ramo, um antílope de algum porte. Pesa seguramente mais de duzentos quilos.
Os leopardos são felinos com uma força enorme, para conseguir subir uma acácia daquela altura com a presa na boca. O seu banquete está à disposição, há que recuperar energias e alimentar o corpo musculado. O silêncio é total, de tal forma que mesmo à distância a que me encontro, é perfeitamente possível ouvir os ossos da presa a serem triturados pelos seus dentes predadores.
A presença do jipe não é alheia ao leopardo, e apesar de estar perfeitamente tranquilo, de vez em quando olha na nossa direcção com o focinho ensanguentado, para ver se está tudo em ordem.
Olhando mais atentamente pudemos constatar que um metro mais abaixo está outro antílope sem vida, pendurado noutro ramo, deixando um traço de sangue que escorre pelo tronco da acácia.
Com a minha “colecção” completa, regressámos pelos mesmos trilhos, rodeados por todo aquela selva deslumbrante. Recordávamos com entusiasmo esta e aquela situação que tivemos oportunidade de testemunhar, quer seja pela águia, pelo rinoceronte, pelos flamingos, pelo leão, pelo leopardo como se todos tivéssemos partido de manhã com a “colecção” incompleta, e por esta ou por aquela coincidência a conseguíssemos completar um a um, cromo a cromo, todos os elementos da “tribo”.
Good Luck pediu que acalmássemos os ímpetos, quando um grupo de zebras se cruzou connosco num dos trilhos. Atrás de uma giesta, a poucos metros dali estava uma leoa escondida, agachada, com os olhos fixos nas presas preparando-se para iniciar um ataque.
A pulsação voltou a subir vertiginosamente. Um coração em África tem mesmo de ser saudável, a avaliar pelos batimentos cardíacos, devemos ser muito mais felizes por aqui, é como se o coração estivesse constantemente apaixonado.
Estávamos perante a iminência de ver uma nova caçada, o grupo de zebras passava bem próximo da giesta, sem se terem apercebido do que se escondia por trás dela. A tensão subiu no interior do jipe em silêncio, na esperança de ver mais um momento único, e o mais esperado de qualquer safari.
De rompante a leoa salta de trás do arbusto, galgando para o dorso de uma zebra adulta, que conseguiu libertar-se a custo tentando fugir, mas após uma curta perseguição é capturada novamente e abocanhada pelo pescoço caindo no chão da savana, interrompendo assim mais uma vida, para dar continuidade à sua e aos da sua espécie.
Se por um lado tinha torcido pelo insucesso da caçada da manhã, também fiquei feliz pelo sucesso desta, estávamos perante um processo de sobrevivência.
Habitualmente costumamos assistir pela televisão, mas ter o privilégio de presenciá-lo ao vivo é das experiências mais enriquecedoras para qualquer ser humano, perante este acto tão primitivo e actual no berço da humanidade.
No regresso ao lodge o sol desceu rapidamente, de um laranja incandescente só possível observar neste continente, criando a ilusão de que vai incendiar a savana.
De repente a noite cai tranquila e silenciosa, ficando apenas a sinfonia da vida selvagem no breu da noite.
Cratera de Ngorongoro – onde a vida acontece. Simplesmente fabuloso!
O autor do artigo continua a fascinar-nos com os seus relatos de viagens.