Outra prova que de facto a hierarquia existe, apesar de não estar escrita em nenhum lado, foi um momento que tive oportunidade de observar, e que jamais pensaria ser possível.

Em determinada altura do dia sentimos o vento a mudar de direcção. Passados breves minutos, um grupo de hienas corre para um local. Por instinto seguimo-las por pensarmos que iria haver acção.

Estava uma carcaça de gnu no chão a ser comida por abutres, tendo sido as hienas atraídas pelo cheiro da carcaça, os abutres apressaram-se a ceder o seu lugar. Perante o corpo do gnu, inerte e sem vida, colocaram-se ordeiramente em fila e a comer uma de cada vez, só iniciando a banquetear-se a seguinte quando a anterior tinha terminado.

Entretanto quando a terceira hiena se alimentava, observei que por cima dela sobrevoava em círculos uma águia-real em todo o seu esplendor, apenas com as asas abertas na sua imponência majestosa no azul dos céus.

Foi rodando, rodando e descendo progressivamente até que breves minutos mais tarde parou a planar a escassos cinco metros da carcaça, e a apenas dois metros de altura.

Toda a tripulação do jipe ficou boquiaberta com o que observava, e na expectativa do que viria a acontecer a seguir.

A águia pousou no chão.

“Que loucura”, pensei.

Se as hienas a atacassem, jamais teria tempo para levantar voo para fugir. Começou a dirigir-se à carcaça, enquanto a hiena se afastou alguns metros para não a interromper. Todas as outras hienas mantiveram o seu lugar na fila sem reagir ou mostrar qualquer desagrado.

No jipe soltou-se um suspiro generalizado, tínhamos acabado de testemunhar um momento maravilhoso. Por vezes é preciso estar entre “selvagens” para vermos atitudes civilizadas.

Ainda não refeito das emoções, uma vez que acontecem a cada instante, em cada acácia, em cada rocha, em cada moita, continuámos em direcção ao lago dos flamingos, um lago cor-de-rosa.

Sim, cor-de-rosa!

Os flamingos são aos milhares atraídos pela água, e a comida que o lago lhes proporciona.

Parecem ter marcado encontro, todos para a mesma hora.

A imagem é única. Por vezes é difícil descrever certas paisagens que a natureza nos dá o privilégio de observar, até porque são mutáveis, jamais pensei um dia ver um lago de tal cor, a não ser que o tivesse trabalhado através do photoshop.

De súbito a pasmaceira é interrompida por uma agitação enorme, e centenas de flamingos levantam voo em simultâneo, num espectáculo inigualável, como se uma mancha rosa quisesse cobrir o azul do céu.

Algumas penas ficam a pairar no ar, só depois me apercebo que um falcão tinha feito um voo picado e atacara alguns flamingos, cenário vulgar nestas paragens afinal a luta pela sobrevivência é diária.

O dia continua, e nós qual caçadores furtivos continuamos à procura de emoções, que se tornam cada vez mais férteis.

Em qualquer lugar e a qualquer momento está sempre a acontecer alguma coisa. É vulgar ver os leões trepadores em cima de árvores altíssimas, dá que pensar como conseguiram eles subir para lá.

Um dos grandes objectivos de um safari além das situações “mágicas” que vão pontilhando aqui e ali, é ver os “big five” (elefante, rinoceronte, búfalo, leão e leopardo).

Alguns vêm-se com mais facilidade, são os casos dos elefantes, búfalos e leões, no entanto o leopardo por ser um felino muito esquivo, e o rinoceronte por estar em vias de extinção são bem mais difíceis de observar, apesar do objectivo de os ver todos manter-se intacto.

leopardo em árvore
Leopardo com a sua presa.

Devido à caça desenfreada que se registou ao longo dos anos, os rinocerontes estão em vias de extinção, havendo apenas três exemplares na cratera, que só poderão ser avistados a trezentos metros de distância, tendo sido criado um movimento de rangers para protecção dos mesmos.

Os rinocerontes são vigiados dia e noite por este grupo de rangers. Se alguém não respeitar uma ordem dada, têm inclusive autorização para disparar.

Foi possível observar um rinoceronte, à tal distância de segurança de trezentos metros.

É um animal portentoso, pleno de força e pujança.

Como é possível ter-se chegado a este limite de apenas três exemplares no Parque de Ngorongoro?

Como é possível que o homem, o único ser racional, tenha ao longo dos anos exterminado tantas espécies sem que ninguém as defendesse?

Já tínhamos sido alertados para a dificuldade de observação de leopardo, por ser um animal muito esquivo e demasiado inteligente, optando quase sempre por efectuar as suas caçadas durante a noite.